“A Ilha” | João Gomes de Abreu e Yara Kono
A história de uma grande empreitada
Será que um livro para crianças pode falar, sem causar aborrecimento ou inspirar a vontade a trocar de história, dos dias preocupantes em que hoje vivemos, dos sonhos loucos que são trazidos para a realidade e se tornam autênticas caricaturas? A resposta é sim e, para quem esteja a torcer o nariz em sinal de descrédito, fica um conselho em formato turístico: visitem “A Ilha” de João Gomes de Abreu (texto) e Yara Kono (ilustrações) e sairão de lá convencidos. O livro recebeu uma Menção do Júri na categoria Opera Prima, nos Bologna Ragazzi Awards deste ano, que distinguem primeiras obras de autores ou ilustradores (neste caso é a primeira obra de João Gomes de Abreu).
“A Ilha” conta a história de uma grande empreitada, nascida do sonho de os ilhéus quererem ser, também eles, continentais. O ministro da ilha, esquecendo a razão e abraçando o populismo fácil, decide ir em frente e às escuras com o projecto de construir uma ponte, que una a ilha ao continente, acreditando no engenho humano sem necessidade de levantamentos de qualquer espécie.
De repente, toda a ilha se mobiliza para conseguir o impossível. A construção da ponte é uma prioridade absoluta e, por isso, os polícias deixam de ser polícias, os professores deixam de ser professores, e por aí em diante. Todos os recursos naturais da ilha são desviados para a causa, tudo servindo para dar corpo à nova ponte: as pedras da montanha, as árvores da floresta, a areia da praia. O continente é longe e a obra imensa mas, tanto na ilha como em qualquer parte, tudo acaba bem quando no céu o fogo-de-artifício faz das suas.
“A Ilha” é um retrato tragicómico dos dias em que vivemos. Uma fábula sobre os projectos desenhados sobre o joelho, as obras que ficam a meio, a identidade colectiva, os sonhos e tudo aquilo que nos move. Afinal de contas, que queremos nós construir neste mundo cada vez menos solidário?
Uma palavra final para as ilustrações de Yara Kono (Prémio Nacional de Ilustração 2010), simplesmente fabulosas. Assentes em papel quadriculado – ou numa grelha a apontar a tridimensionalidade – oferecem pormenores simplesmente deliciosos: as árvores vistas como paus de fósforos em potência; as casas numeradas por uma máquina de escrever; os barquinhos com ar de cupcakes aquáticos; alguns padrões e formas colados como pedaços de jornais, revistas e cadernos da escola. Mais uma grande edição que nos chega directamente do Planeta Tangerina.
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