A minha Rua… Maputo
Se há cidades singulares, a ex Lourenço Marques entra directo para o ranking. De beleza decadente e gente sorridente, vive cada dia bem devagar, sem nunca cansar. Lá, tudo é diferente dos filmes em que a África é nossa e eles, actores, usam roupas beges do Coronel Tapioca. Igual, talvez os restantes personagens que transportam tudo o que precisam à cabeça e um sol único. Igual a si mesma
Cheguei há um ano, dois meses e vários dias a Maputo. Vim por vontade, muita, por querer voltar à terra que me fascinou na adolescência com o seu cheiro e gente, lagosta e camarão gigante, sol e mar quentes. Fascinada por África desde mal me punha de pé, saí de Cabo Verde, meu anterior paradeiro, sem o sentimento de objectivo cumprido. Então vim procurar mais sorte. Ou seria mais positivismo que aquele que encontrei em Portugal? Não vim sozinha mas cheia de sonhos e amor para dar. Vim à procura de trabalho, tarefa Hercúlea e inglória na selva urbana que é Maputo. Sem carro, lá me vestia todos os dias e ia à luta, debaixo de uma humidade que faz colar a roupa ao corpo e perder a energia para andar sob os 40 graus à sombra de Fevereiro.
Consta por aí, ou pelo menos na altura ouvi, que Moçambique é o ultimo El Dorado em África para os portugueses. Pois não é. É antes um mercado emergente e, como tal, tem os seus desafios e oportunidades. E, como tudo em África, numa escala enorme. Eu não sabia, ou não queria saber. Na altura, queria deixar as agências de publicidade, queria escrever, ter liberdade e ser feliz. Mas a vida é um pouco mais complicada que nos romances históricos de jornalistas.
Primeiro, encontrei um trabalho numa produtora que fica num cinema, o mais emblemático do colonialismo, trabalhando com um dos cineastas mais controversos da praça. O que recebia, era menos que quando estagiava numa dessas agências grandes de Portugal, daquelas com siglas que ninguém sabe o que querem dizer. Significa que não dava nem para pagar as despesas diárias como comida e dormida. Então aprendi que Maputo é cara, muito mais cara que a Europa. Pelo menos na relação qualidade-preço. Aprendi ainda que aqui se importa e não se produz ou o que se produz exporta-se. Confuso? Para mim sim. Não percebo como pode haver fome numa terra em que a fruta apodrece no chão porque há demais na árvore.
No cinema aprendi sobre cinema, fotografia e, acima de tudo, sobre esta nova terra que me acolheu. Aprendi que a ilha de Moçambique não é ao lado de Maputo, que não se bebe Nescafé mas Ricofi, que é normal os moçambicanos terem malária (e eu que tinha ouvido na consulta do viajante que essa doença era um monstro, que é). Aprendi que os africanos pedem sem dizer se faz favor e que dormem por tudo e por nada. Aprendi também a redigir projectos, a coordená-los e a ler regulamentos para conseguir financiamentos da União Europeia. Finalmente, aprendi que estava na hora de sair dali.
Então comecei a enviar mais CVs, a bater a mais portas. Seguiram-se conversas, encontros, entrevistas, contactos e portefólios e a bater a mais portas. Lá consegui mais contactos e alguns freelas como copy e como jornalista para uma revista local que no seu tempo era a melhor mas agora é como o país que a edita: emergente. Membro honorária de geração freelancer, lá arranjei um contacto na maior agência de publicidade do País. E lá arranjei uma casa, após 7 provisórias. Rés-do-chão, 19o andar, bairro dos ricos, dormir do chão, deu para tudo. Até chegar à minha rua, na verdade uma avenida com o nome do primeiro presidente da FRELIMO, a frente de Libertação de Moçambique que é também o partido do poder, até hoje.
Quando lá cheguei, a esta casa de onde agora escrevo, não queria ficar. Casa de empresa, mais gente a partilhar. Estava farta. Mas mais farta estava de ver casas, mais de 100. Umas sem luz, outras sem água, outras oitavos andares sem elevador, outras a cheirar a caril, eu sei lá. Sei que acabei, que acabámos, por ficar nesta aqui e agora sim, é casa, a nossa. Tem sofás com almofadas forradas a capulanas, recortes colados nas paredes e até flores. Não tem estrado na cama e tem grades e guardas à porta mas também tem elevador que funciona e, tem por vezes, meninos a comer do lixo lá em baixo e a beber das poças da chuva. Tem, acima de tudo, muita alegria. No dia em que deixar de ter, vamos embora. Mas ainda não está na hora, não agora.
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