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Na minha rua… Cabo Verde

A minha rua na cidade que não tem ruas e se chama Praia.

Na cidade que se chama Praia, capital de um tal país apelidado de Verde, a vida tem tudo para correr bem. Sobretudo se lhe somarmos especiarias de funaná com papaia, cheiro a banana com cachupa e uma ginga tão natural quanto esmerada, sempre em bom crioulo cantado. Afinal, onde é que moras? Prainha, naquelas casas depois da rotunda da rua principal, atrás do Praiamar, o hotel à beira mar. Qual delas? Azul, verde ou rosa? A cor-de-rosa, como é que não adivinhaste logo?

Uma casa na Praia

Aqui na Praia, principal cidade da ilha de Santiago e capital das 10 ilhas de Cabo Verde, é difícil encontrar casa, pelo menos nos moldes a que a Europa e as Américas nos habituaram. Talvez pelo nome natural, talvez por outra coisa qualquer da qual agora não me recordo do nome. Umas não têm rua, outras sem pintura, outras anexos improvisados nas casas das mães que viram os seu filhos emigrar para terras distantes, outras ainda gradeadas pelos seus condomínios fechados, isoladas da terra e com a redoma natural dos bairros dormitório.

Eu cá tive sorte e em menos de 3 semanas, mais precisamente em 2 semanas e 3 dias, dois quartos de hotel e dois em casas de amigos, dezenas de telefonemas, centenas de escudos gastos em chamadas não atendidas ou perdidas pelas falhas na rede, alguns fins de tarde acabados a bater à porta de cafés e vizinhos, entre conversas forçadas e cigarros mal apagados, lá encontrei a minha casa: cor-de-rosa, cheia de grades à beira-mar e com cheiro a mar e a cano, o perfeito T 1 para um(a). Eis o espaço ideal para uma família unipessoal com a privacidade certa (pelo menos a possível numa mini terra insular) para ninguém levar a mal o que quer que apeteça fazer. Ideal também, embora à partida tenha disfarçado bem, para famílias numerosas de ratos e baratas com um bicho gato de estimação. Pois é, uma casa  (praticamente)principesca não diz nem desvenda quem mora nas suas águas furtadas, isto é, entre-o-tecto-falso-e-o-telhado. Só o tempo o revelou e a desratização e a desbaratização tentaram expulsar os tais companheiros de piso, processo ainda em marcha mas de anunciado sucesso.

Vidinha di terra

E o dia-a-dia lá se passa entre 10 minutos a pé até ao autocarro – aqui Iace, a prima cabo-verdiana da Hiace- e o regresso no fim do dia, já de táxi. Mito ou não urbano, cai a noite, apanha um táxi para não teres um kassubodi, o vizinho do cash or body norte americano. Triste sina esta da cidade dos miúdos revoltados e traídos pelos sonhos, dos expatriados mal amados e de outros males maiores e menores. Malfadada sociedade esta de um país de desenvolvimento médio* que transpira ritmos quentes e alegria sincera.

No entretanto, ficam as idas às lojas do chinês para comprar fancarias e produtos mais tóxicos que milagrosos para matar baratas voadoras, passeatas ao domingo no Sucupira aka Feira do Yah em busca das pechinchas perdidas directamente dos bidons enviados por ONGs e parentes dos EUA, horas de almoço no super-mercado Felicidade, onde o triste é a relação abastecimento/qualidade/preço. É o preço a pagar por se viver num pais que importa quase tudo e, apesar disso, não se importa mesmo nada.

Uma lição de vida

Aqui aprende-se no dia-a-dia. Mais que uma lição diária, uma lição de vida. É aprender a trocar os cogumelos frescos pelos champignons enlatados, o salmão fumado pelo atum em bife esquentado nas cabeças das vendedeiras, o Casio dourado pelo braço nu queimado, a fina franja pelos caracóis desgrenhados, o Delta Café pelo café di Terra, Cafés di Cabo Verde. Mais do que isso, é trocar o Bairro Alto pelos bairros de lata, o Lux e o Tokio pelo Fogo D’África e outros bares africanos, o Indie pelo Funaná, os Vampire Weekend pelo Rei Assassino, o sintetizador pelo violino, os ténis da Nike pelo chinelo no pé.

É trocar o Mac pelo PC, a agência de publicidade multinacional pelo Instituo local – ICIEG, Instituto Cabo-verdiano para a Igualdade e Equidade do Género que sempre dá um bom desbloqueador de novas amizades – o pudor pelo amor, a timidez pelas aulas abertas de braços abertos dos Raiz de Pólon, o sumo de laranja natural pela Fanta laranja, os cinemas Blockbuster pelos filmes pirata, a liberdade de andar a pé pela segurança do táxi.

É ainda mais umas quantas coisas como sair às 5h00 e ir dar um mergulho no mar ou pasmar numa cadeira qualquer do Café Sofia, com um bolo de banana e um sumo de calabaceira. É no número 31A da praça onde tudo se passa que toda a gente se junta. Gentes de cá e de lá, de ali e de mais além, novos, velhos, brancos, pretos, mulatos e chineses. E um convite destes não se recusa, mesmo que diário. Então os dias passam e eu deixo-os passar, sem stress, neste Sofia que é café e cyber e imobiliária. Amanhã há mais. É assim, mais ou menos assim, que é sair da cidade das colinas directo para a Praia das achadas. Um verdadeiro achado.

Nota: Qualquer dúvida no léxico, não hesitem em contactar.

*  Há sempre um ou outro mais distraído, aliás, como eu antes de saber para o que vinha, Cabo Verde já não é um país em desenvolvimento mas país de desenvolvimento médio.



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