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Menina Júlia

De 16 de Abril a 24 de Maio de 2009, Teatro Nacional D. Maria II, Sala Garrett.

A RDB foi, no dia 15 de Abril, ao TNDM II assistir ao ensaio de imprensa da peça “Menina Júlia”, encenada por Rui Mendes, em cena na sala Garrett deste teatro até dia 24 de Maio.

O texto é do dramaturgo sueco August Strindberg, que desde cedo começou a escrever produzindo uma obra diversificada de cerca de cinquenta e cinco volumes. Mas o teatro determinou a sua obra, e a sua vida. Teve formação de actor, casou-se com várias actrizes e escreveu cinquenta e oito peças entre 1870 e 1909. “Miss July”, traduzindo “Menina Júlia”, é uma peça cujas personagens oscilam entre a força e a fraqueza, a dependência e o domínio. São personagens carregadas de inquietações, frustrações, recalcamentos. O que provoca inevitavelmente um efeito freudiano de espelho: Somos nós, ali?

É noite de São João, a noite mais curta do ano, e a Menina Júlia, interpretada por Beatriz Batarda, decide não acompanhar o pai numa visita a casa de uns parentes, ficando na sua propriedade na companhia dos criados. O cenário recria uma cozinha de época. João, interpretado por Albano Jerónimo, é um criado servil mas que conhece os prazeres da vida, ou pelo menos deseja-os tão vorazmente que o faz conhecê-los. João está noivo de Cristina, a cozinheira, interpretada por Isabel Abreu. Menina Júlia, uma menina-mulher que demonstra um certo apreço por João, convida-o para a acompanhar no baile para uma dança. Menina Júlia transforma o ambiente num quadro dissimulado cheio de provocações, iniciando-se aqui um caminho para uma luta de sexos, para o aflorar de recalcamentos sexuais e para a luta de poderes.

Cristina adormece, cansada, e Menina Júlia aproveita para iniciar uma batalha junto de João. O diálogo entre os dois é de uma constante atracção e repulsa que nos põe tontos e nos faz questionar; Quem falará verdade? Quem ama quem de verdade? Quem vai ceder?

Sem controlo, os dois decidem entregar os corpos um ao outro no quarto de João. O secretismo é algo que importa a ambos, dada a posição hierárquica que os separa, para não falar da troça que corre nas línguas dos criados sobre a postura imprópria da filha do senhor conde. Depois de partilhada a intimidade, a batalha retoma-se com outros contornos. Agora “já se conhecem”, e dá-se uma inversão absoluta de poder. João comanda-a e ordena-a que se junte a ele num plano há muito pensado. Vão fugir e começar uma nova vida. Parece um tema recorrente, mas o que o torna verdadeiramente especial é a forma como ambos sofrem mutações e até onde se estica a verdade que sentem.

É urgente uma tomada de decisão, o senhor Conde está a chegar e Cristina surgirá bem cedo para ir à missa. O desespero domina-os e, quando Cristina surge, a actriz Beatriz Batarda interpreta um solilóquio em que Menina Júlia tenta desesperadamente convencer-se a si e aos outros de que a partida é o que lhes resta. Mas a consciência acaba por cair, e Júlia detém-se, fraca, a um fim trágico e inevitável.

Um jogo de emoções onde vale rigorosamente tudo. Faz-nos pensar até onde somos capazes de embarcar por amor, ou, até que ponto amamos verdadeiramente alguém para embarcarmos?

“Menina Júlia” é um texto que nos prende, que nos faz questionar sobre a forma como somos sinceros connosco e com os outros.

Terá sido João o mais coerente, ou Júlia a mais verdadeira?



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