Medos 3D
Dante descafeinado.
Estranha política esta de constar no título de um filme o seu formato (será assim no futuro: “Casablanca preto-e-branco”; “Nosferatu mudo”?); já não é a primeira vez, o último Saw tinha esse apêndice — dá ideia de que os distribuidores de “Medos 3D” (“The Hole”, no original), ao verem-se com outro filme de terror a três dimensões, apostam na confusão, na tentativa de caçar o incauto espectador, que só poderá sair desiludido se for à procura de tripas e armadilhas. Sabendo-se de que se trata do último filme de Joe Dante, um dos grandes cineastas dos últimos trinta anos, causa maior tristeza — o mais provável é que “Medos 3D” passe completamente despercebido entre os outros filmes em cartaz.
Não sendo um Dante de primeira água, “Medos 3D” apresenta as marcas do realizador (que, se ainda houvesse “política de autores”, seria imediatamente consagrado): numa pequena cidade ou subúrbio (vai dar ao mesmo), um grupo de jovens vê-se a braços com algo que vai perturbar a pacatez, a ordem estabelecida. Já era assim em “Gremlins – Pequeno Monstro”, em “Pequenos Guerreiros”, até mesmo em “Os Exploradores” e, mais subtilmente, em “Pânico em Florida Beach”, com a Crise dos Mísseis de 1962 em fundo. Desta vez, é um buraco na cave por onde saem os maiores medos de quem o contempla.
Aqui entra uma componente de maior seriedade no cinema normalmente anárquico de Joe Dante — no meio de um filme de terror para adolescentes (que “Medos 3D” indisfarçavelmente é), os terrores bem reais da infância e adolescência tomam forma, sendo que um deles é a figura de um pai abusador e violento. Talvez resida aí a maior subversão do filme, que, afastando-se do seu género, se torna herdeiro dos contos infantis dos irmãos Grimm. Nesse sentido, é bem possível que seja das obras mais negras de Dante.
Porém, apesar do palhaço brincalhão (outro dos medos) lembrar as folias de outros tempos, faltam as referências e as influências (principalmente estas) da ficção científica série B e dos desenhos animados, muito caras ao realizador, ou quando estas aparecem sabem a requentado, como revisitações de revisitações. Fica a impressão de que, depois do falhanço comercial de “Looney Tunes – de novo em acção” e de ter ficado sete anos sem filmar para cinema (no intervalo, participou na série “Masters of Horror”, com dois tele-filmes, um dos quais o polémico “Homecoming”), Joe Dante se deixou amansar um pouco.
Escrito isto, Dick Miller, o membro mais antigo da trupe Dante, regressa num pequeníssimo papel como entregador de pizzas, o que é sempre de saudar, Bruce Dern, num papel secundário, proporciona um dos momentos mais deslumbrantes (os inúmeros candeeiros para combater o medo do escuro), e tem-se a certeza de que a subtileza (nesta altura, já se pode falar de sabedoria) de Joe Dante continua insuperável — evitam-se o sangue e as já referidas tripas e armadilhas, mantém-se o susto e (porventura, aumenta) o sentimento de insegurança.
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