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Deolinda em Madrid, 25 de Maio

Quem disse que o fado é triste?

Não havia pregos nem caracóis, nem sequer se poderia ver na televisão um jogo do Benfica. Não apanhámos o 58 da Carris, nem estacionámos numa rua a subir a caminho de Alfama, e não tomámos uma bica e um pastel de nata.

O cenário era diferente do habitual onde acontecem as histórias quotidianas de Deolinda, essa mulher habituada a viver num subúrbio lisboeta, de janela indiscreta e olho atento nos percursos diários do autocarro.

O grupo português Deolinda pisou pela primeira vez solo espanhol e começou num concerto que desde já classificamos como surpreendente. Para tal estreia, a cidade escolhida foi Madrid e o espaço a Sala Galileu Galilei. Não havia pipis nem moelas, mas havia cañas, ambiente ameno e, sobretudo, muita expectativa em torno do concerto.

Antes do concerto começar, alguém falou connosco em português e a pergunta surgiu: “porque se assume automaticamente que alguém que virá a este concerto será o publico português?”. Para contrariar o que seria uma tendência, a RDB viu-se rodeado por um público mais “atípico”: Maria, espanhola e grande entusiasta da Deolinda, Vicci y Stepahine, alemãs e grandes fãs da cultura portuguesa, e Luís, Miguel e Tiago, portugueses residentes em Madrid.

O espaço foi muito bem escolhido, pois o formato de café-concerto permitiu criar esse ambiente de esplanada e informalidade, confortável e amigável que augurava um bom espectáculo. No palco, os naprons e a mesinha com fotografias recriava esse espaço português onde os Deolinda puderam sentir-se quase como em casa e permitiram aos portugueses que assistiam sentirem-se em Madrid, como se estivessem em Alfama ou Campolide.

Um pouco depois das dez, o grupo entra em palco. Trazem as músicas, mas também as danças e sobretudo as histórias que fazem a música que cantam. Ana, vocalista, começa por contar-nos quem é a Deolinda, e conta-nos tudo isto em espanhol para que todo o público a possa entender. O alinhamento não foge demasiado ao álbum. Começa com «mal por mal», segue-se «fado toninho» e «não sei falar de amor» , «contado ninguém acredita» e «Lisboa não é a cidade perfeita».

Antes das músicas, conta-se sempre a história que as inspira ou que lhes serve de base. E, ao introduzir um novo tema (por certo, bem ritmado), Ana começa por dizer-nos que esta música é dedicada a todos os seus amigos que também cantam e que, sempre que vão jantar fora com os amigos não cantores, lhe pedem sempre para cantar. E, já com o público bem animado, segue-se o ritmo de «Fon Fon Fon», «ai rapaz» e «canção ao lado».

Sem sabermos se acertámos ou não com a vida, é-nos apresentada uma outra nova música, »Entre Alvalade e as Portas de Benfica», um fado mais calmo, com a nostalgia de uma história típica de amores e desamores em cenário bem lisboeta. Antes, e mais uma vez, a vocalista conta-nos a história deste fado, a de uma rapariga que se apaixona no autocarro que faz o percurso que lhe dá nome.

Voltamos ao álbum “canção ao lado”, desta vez com a «garçonete da casa de fado». Seguidamente, Ana pede licença para falar em português com os seus paisanos, pedindo a todos os portugueses presentes no público para que, no refrão do próximo tema, «movimento perpétuo associativo», ajudemos o público espanhol a dizer “vão sem mim que eu vou lá ter”. E, embora a fonética seja a grande barreira para um espanhol poder falar português, o público reagiu bem e acedeu ao mote. Aliás, neste momento o já estava mais do que conquistado, cantando e aplaudindo, contagiado pela alegria da banda.

Depois de «clandestino» e «o fado não é mau», o grupo despede-se. Mas o público não quer dizer adeus. O grupo regressa ao palco para cantar «fado castigo» e «fon fon fon».

E despede-se outra vez. Nesta altura, o público está de pé, já dançou e aplaudiu e quer mais. O público não português pergunta-nos como se pede em português para que a banda volte ao palco.

Nesta segunda entrada, podemos ouvir novamente o tema «fado toninho». Mas o melhor estava para o terceiro (!) regresso ao palco. Nessa vez, o grupo apresentou-nos outro novo tema, «Fado Notário», com uma história bem-humorada e bem rimada que promete ser uma boa aposta para um novo álbum.

A Deolinda despede-se de Madrid com  um novo baile ao som de «Ai rapaz». O público queria mais, mas o público não pode ter tudo.

Não contentes, ficamos pela sala Galileu Galilei à espera que a banda, tal como prometeu, se juntasse a nós para autógrafos, fotografias e conversas soltas.

Entre grupos de portugueses, espanhóis e outras nacionalidades que se aproximaram da banda quando esta saiu do camarim, a RDB conseguiu (para além de um autógrafo) obter as impressões gerais da banda relativamente ao concerto. Entre os sorrisos e a euforia, a simpatia e disponibilidade, conseguimos perceber a satisfação que o grupo sentiu pelo acolhimento que recebeu em Madrid, para além da surpresa pela conquista de um público variado e também desconhecido.

Pelas impressões que também conseguimos colher do público em geral, principalmente não português, pudemos verificar que a recepção foi bastante positiva e entusiasta. Lisboa pode ser a cidade perfeita para inspirar as histórias de Deolinda, mas o concerto em Madrid demonstrou que não é a única cidade onde as suas histórias podem e merecem ser contadas.

Neste concerto, respirou-se e viveu-se uma alegria para lá das fronteiras da língua. Se calhar, ousar dizer que o fado não é triste é heresia tão grande como dizer que a terra gira à volta do sol. Mas ainda assim arriscamo-nos. Afinal, estávamos na Sala Galileu Galilei.



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