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Tradidanças 2024

Tradidanças: raízes que (se) tocam

Foi na surpreendente povoação de Carvalhais, no município de São Pedro do Sul que decorreu mais uma edição do festival Tradidanças, entre 31 de Julho e 4 de Agosto. A Rua de Baixo acompanhou o festival e aproveitou para descobrir algumas maravilhas naturais da zona.

A viagem até São Pedro do Sul, fez-se com entusiasmo e curiosidade. Vinda de Lisboa, em pouco mais de três horas, chegaria ao local, onde foi possível viajar por diversas culturas, tradições e ritmos.

A chegada a São Pedro do Sul revelou-se calorosa e premonitória de dias recheados de vivências significativas. O entardecer ia ao longe, e a música da banda de música popular portuguesa, que actuava algures num hotel ecoava pelas ruas paralelas ao rio que rasga a cidade. O cheiro do fumo das brasas que se esbatia no ar entranhou-se nas narinas e despertou memórias celulares primordiais: saudades de tempos de outrora, onde o convívio à volta do fogo se revelava manso e transformador. A primeira noite na zona foi para enraizar e descansar.

Na manhã seguinte o burburinho dos carros despertara-me e a sede de começar a aventura activou-se. Primeira coisa a fazer: rever a programação do Tradidanças e pôr-me a caminho de Carvalhais. A programação do festival era extremamente recheada e a sensação era a de que de alguma forma, ao decidir fazer algo, estaria a ganhar e a perder simultaneamente, pela diversidade de ofertas de atividades, workshops, concertos e experiências.

Chegando ao recinto do festival, que foi cuidadosamente preparado numa zona florestal, muito perto do Centro de Promoção Social de Carvalhais e a poucos quilómetros do BioParque no sopé da serra da Arada, a frescura e as sombras aguardavam afavelmente pelos visitantes do festival. Tudo foi meticulosamente pensado e organizado: desde a secção de campismo acessível gratuitamente para o público do festival, o parque de estacionamento para as viaturas, os vários palcos bem assinalados e distribuídos pelo recinto, assim como a cantina, as casas de banho e as diversas torneiras de água potável, acessíveis em vários pontos do recinto, de forma a nunca correr o risco de desidratar. Os pagamentos eram realizados através da pulseira de entrada no festival, que continha um chip recarregável para efectuar as transações dentro do recinto. Como festival sustentável, também os copos e canecas eram levados pelos participantes, ou comprados no recinto, de forma a evitar o plástico e assim os resíduos poluentes, numa zona que merece toda a proteção possível.  Outro ponto a favor desta celebração das tradições é o seu espírito inclusivo: toda a família é bem-vinda; até aos doze anos a entrada é gratuita, e os amigos de quatro patas são bem-vindos; o que promove o combate contra o abandono dos animais, num período de alto risco, como o verão.

Estes são apenas alguns dos detalhes óbvios da organização de uma iniciativa que é pensada a 360º para proporcionar uma experiência única e inesquecível aos visitantes. Uma festa onde natureza, tradições, saberes, sabores, cantares, canções e bailes de todo o Mundo se juntam num único destino, e onde é elevado o poder da cultura e das tradições locais e além-fronteiras.

A bilheteira esteve em funcionamento até às duas da manhã, de modo a poder receber os participantes que iam decidindo juntar-se à festa à medida que o fim-de-semana se aproximava, sendo sábado um dos dias mais concorridos do festival.

Um recinto com distintas áreas criadas, a fim de proporcionar uma viagem completa e diversificada. Á entrada do recinto junto da Igreja, revitalizando o propósito comunitário da Eira que por ali habita, tiveram lugar várias oficinas sustentáveis desde cosmética natural, confecção de bonecos a partir de meias e feltragem em lã, assim como oficinas de construção de instrumentos musicais. A Casa do Abade foi anfitriã de uma exposição muito especial e recebeu Conversas à Escuta: entre as quais uma conversa sobre menstruação, desmitificando crenças, outra sobre a importância do caminhar, entre muitas outras partilhas profundas, que incluíam miúdos e graúdos.

Nem às paredes da Igreja eu confesso os concertos acústicos imperdíveis que por ali aconteceram. Projetos musicais como Parapente700, Lucas Chorus e o Grupo de Música Popular da Universidade do Minho foram algumas das estrelas que brilharam e ecoaram na Igreja.

Já dentro do próprio recinto, o que não faltavam eram opções: o melhor era entrar e sentir para onde levava o coração. Não querendo perder nada e ao mesmo tempo querendo sentir com presença, era preciso escolher. Os cães cumprimentavam-se pacificamente entre si, as crianças corriam felizes, os adultos dançavam, dormitavam, conviviam ou meditavam, havia espaço para todos naquela zona de floresta transformada em destino de fruição cultural.

A partir das duas da tarde começavam as oficinas de danças nos vários palcos: Carvalhais, Abados, Inatel e Arada. Das danças afro-venezuelanas, a Bollywood, passando pelas Milongas, Forró, Lindy Hop e sem esquecer a diversidade das danças portuguesas, a panóplia era grande e a dificuldade acrescida na seleção. O privilégio de muitas destas oficinas de dança, é que na sua maioria foram acompanhadas por música ao vivo, para além do seu enquadramento etnográfico, o que enriqueceu de forma única a passagem de testemunho sobre muitos ritmos que felizmente estão a ser recuperados junto do grande público. Um testemunho oral que em muitos casos é urgente passar, pelo risco de perda de informação ao longo do tempo.

Já as oficinas de desenvolvimento pessoal que tinham lugar nos mesmos palcos, aconteciam pela manhã e ao fim do dia para relaxar, após um dia de atividade intensa. Esta era uma oportunidade de conexão entre corpo, espírito e natureza. No Espaço Lúdico Intergeracional as atividades decorreram ao longo de todo o dia até às 19:30, o que possibilitava soltar a garotada e deixá-la explorar o espaço à vontade.

Após a hora do jantar, pelas 21:00 tinham início os bailes e concertos pelos diversos palcos, oferecendo a oportunidade de praticar o que se aprendera ou relembrara nas oficinas de danças durante o dia. A riqueza de ritmos, instrumentos, cores e culturas que estiveram representadas num só recinto é de uma força transformadora.

Todas as noites, pelas 22:30 houve um concerto especial no palco Serra: momento que reunia a maior parte dos visitantes do festival numa celebração conjunta. O Marta, Daniel Pereira Cristo Trio, Rebeldança Raia & O Gajo, Omiri e vindos do Rajastão os Dhoad Gypsies of Rajasthan foram as estrelas que actuaram no grande palco do festival.

No último dia do festival, Não És Tu Sou Eu fizeram-nos viajar pelo repertório tradicional nacional, e dançar um Corridinho do Douro, que em muito se poderia dizer à primeira vista se toca com o Forró. A intensidade de Porbatuka na chamada para o concerto final de Dhoad Gypsies of Rajasthan no palco Serra foi de uma sensibilidade única: força, ritmo e alegria são as “armas transformadoras” deste projeto de inclusão social através da democratização do ensino da música. A atuação do grupo do Rajastão foi emocionante e igualmente generosa: duas horas de concerto, com intervenção de duas bailarinas folk, que incorporaram o que se poderia denominar de energia divina na terra, em pleno palco, levando músicos e público ao êxtase. Em tom de fechamento do palco principal, um dos músicos referiu que o amor e a música poderiam ser a “religião” que nos une a todos enquanto seres humanos de todo o Mundo.

A oportunidade de escutar, dançar e aprender sobre diferentes tradições do mundo permite-nos aceder a um olhar amplo na forma como as diversas culturas se tocam e se interligam.

O local escolhido para acolher este festival é sem dúvida coerente para a vivência de uma celebração das tradições. Nas Montanhas Mágicas (serras de Montemuro, Freita, Arada e Arestal), há uma atmosfera inerente à paisagem, que apela um retorno à raiz, à terra mãe. Adoptando Carvalhais como um ponto de partida, é possível partir dali à descoberta de diversos destinos com distintas e intensas experiências.

Os poços encrustados nas montanhas das serras circundantes da Rota da Água e da Pedra oferecem banhos refrescantes em cenários idílicos, os percursos pedestres que acompanham os antigos moinhos assim como a Rota do Megalitismo, que passa por Viseu, Dão, Lafões e Sever do Vouga, a descoberta dos trilhos da Serra do Caramulo, permitem uma expansão de sensações num espaço concentrado de razões para explorar.

Desde a natureza, à arqueologia até à cultura e gastronomia: a paisagem é diversa e merece um regresso: um regresso às raízes. O Tradidanças pode ser o motivo ideal para anualmente visitar São Pedro do Sul e as suas atrações circundantes!

Obrigada Tradidanças, até para o ano!



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