Vodafone Mexefest 2015 | Dia 2 (28-11-2015)
Esquizofrenia melómana
O segundo dia reservou a única visita feita ao São Jorge na edição deste ano do Mexefest. Jenny Hval é Norueguesa (e um quarto Dinamarquesa como já vão perceber) e era até ao passado Sábado um segredo bem guardado da pop daquele país. Algo que mudou depois do concerto na Sala Montepio. “Apocalypse, girl” é um dos bons álbuns do ano e em palco foi fácil compreender porquê. Hval é provocante nas palavras e nos gestos e isso ficou desde logo patente na abertura com «Kingsize», canção em registo de spoken word; “Norway. The girls are pretty. I’m one fourth Danish. If you have a child you better learn how to bake. I beckon the cupcake, the huge capitalist clit. I search the oven, scrub the racks, put my whole head inside, but I just can’t find it. It’s like looking out the window in there”.
Castello Branco é um rapaz brasileiro que destila boa disposição, simpatia e honestidade. O cenário montado era perfeito para o receber e a entrada é feita a condizer, pelas escadas do salão da Sociedade de Geografia. É apenas acompanhado por um guitarrista e um portátil onde todos os sons, à excepção das guitarras que tocam, estão gravados. Tudo porque a banda que o deveria acompanhar, não o pôde fazer, conforme fez questão de explicar já perto do final do concerto. Mas passemos ao que interessa, as canções, porque a língua portuguesa, quando bem tratada, é das coisas mais belas que há. Os primeiros acordes que se escutam são os de «O Peso do Meu Coração». Em palco, a figura frágil de Castello Branco atrás de uns óculos com uns grandes aros mas com um ar condizente com o do portador, canta “fica mais leve o peso do meu coração”. Logo ali, a alma fica cheia. Já «Necessidade» é simplesmente bela. «Crer-Sendo» surge tão crua que dói… “Amar jamais será demais / E equilibrar”. Se não estivesse sentado, os joelhos fraquejariam com «As Minhas Mães». É amor num estado de pureza que poucos conseguem alcançar com tão poucas palavras… Se houve algum mal neste concerto foi ter sido curto demais.
Ariel Pink é uma caixa de surpresas. Nunca sabemos muito bem o que esperar e por isso o ideal é irmos com as expectativas baixas. Esta foi mesmo a abordagem seguida e revelou-se acertada. Foi um concerto irregular aquele a que se assistiu num Coliseu a meio gás. Alternou entre momentos de pop (escutou-se algum “Pom Pom” e isso soube bem) com outros em que o psicadelismo falou mais alto. Na memória fica apenas alguma indiferença.
Sai-se então do Coliseu para se virar imediatamente à direita e escutar os Glockenwise no Ateneu. Quase inteiramente focado em “Heat”, o último registo, foi mais um concerto do Ateneu em que o som não ajudou em nada, com as vozes a soarem parcas e alguma distorção no ar e os próprios músicos a darem constantes sinais aos técnicos para subirem o volume; também nos pareceu que a banda não estava nos seus melhores dias. Apesar disso, houve rock com fartura, ainda que não nos tenha enchido as medidas.
A vista que se tem do palco da Estação do Rossio é fabulosa, com o Castelo de São Jorge em pano de fundo. Foi aí que Bombino subiu ao palco com a sua guitarra (vénia) e acompanhado de um baixista, doutro guitarrista e de um baterista. O dia em que um Tuaregue actuou no Rossio ficará na memória de muitos porque foi mesmo um daqueles concertos inesquecíveis. As canções de Bombino não seguem nenhuma estrutura rígida, antes pelo contrário; dão-se ao improviso, sempre em torno de ritmos tuaregues e sempre sem dar um segundo de descanso que seja a quem ali está. A bateria surge sempre num registo sincopado, e a servir de base à magia que a guitarra de Bombino opera. Nós dançamos porque é pura e simplesmente impossível não o fazer. Já ele, sempre que agradece, fá-lo com a mão sobre o seu coração. É respeito e admiração mútuos.
Peaches tomava entretanto o Tanque de assalto com a irreverência punk e loucura a quem nos tem habituado, e parca em roupas. Não foi a primeira vez que a vimos, nem o formato único, mas Peaches nunca deixa de surpreender e fazer questão de tornar qualquer evento numa festa. Desta feita, apresentou-se sozinha em palco com as suas mesas de misturas e duas bonecas insufláveis que fizeram por vezes de mãos e companheiras de dança. Da Chick juntou-se igualmente à festa no lugar de Kim Gordon para um duo pleno de energia e sensualidade.
Além das novas de “Rub”, houve também lugar para velhas conhecidas como «Fuck the pain away» e crowd surfing. Envergonha qualquer letárgico adolescente com os seus 47 anos.
Antes de começar o concerto de Patrick Watson dizia que ainda estava para chegar o dia em que sairia desiludido de um concerto dele. Depois do concerto terminar continuei com a mesma opinião. Foi a escolha perfeita. Watson é um poço de talento e boa disposição (é lembrar o “You don’t know me…” dito entre risos em resposta a um “I love you” dito por alguém na plateia). Depois há as canções… Verdadeiras montanhas russas de emoções, capazes de momentos de momentos grandiosos, seguidos de outros mais introspectivos mas não de menor qualidade, tudo na mesma canção («Good Morning Mr. Wolf», por exemplo). “Love Songs for Robots” esteve no centro de todas as atenções, num palco onde saltavam à vista uns candeeiros que faziam lembrar circuitos electrónicos. Não se escutou tudo o que gostaríamos, tendo em conta o rico repertório, mas deu para ouvir a deliciosa «Man Under the Sea». «To Build a Home» dos Cinematic Orchestra, surgiu mesmo a fechar e lembro-me de pensar que naquele momento estava realmente onde queria estar. Estava em casa.
De volta ao Ateneu, estavam aqueles que foram (por nós pelo menos) apelidados de “raio de papagaios do demo ligados à corrente”! Os Parrots são de Madrid mas parecem mexicanos e traziam na bagagem o recente EP “Weed for The Parrots”, o que desde logo deixava adivinhar qualquer coisa. Com um garage punk sujo, descontrolado e por vezes sem nexo, fizeram-nos viajar no tempo e suar as estopinhas todas num concerto electrizante e tão, mas tão bom.
A caminho de casa, um SMS dizia-nos que Seven Davis Jr. tinha dado uma de prima-dona e abandonado o palco depois de pedir aos técnicos para lhe aumentarem o som e ver o pedido ser recusado. Ficámos a pensar que só queria ir ver o Rocky Marsiano e o seu Kemba e se não deveríamos fazer o mesmo, mas os papagaios e Patrick Watson tinham-nos sugado a energia.
Reportagem do primeiro dia aqui. Fotografias de Graziela Costa. Dia #1; Dia #2
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