“Com os Loucos” | Albert Londres
O armário dos cérebros
Nas primeiras décadas do século XX, com o fomento da imprensa massificada e do ideal de direito à informação – que a crescente taxa de alfabetismo veio consolidar -, assistiu-se ao aumento de protagonismo do repórter e consequente grande reportagem, publicada de forma faseada nos periódicos. “Com os Loucos” (Sistema Solar) é disso exemplo, sendo que o seu autor, Albert Londres, adquiriu notoriedade com “furos bombásticos” que cativavam os leitores.
Para escrever a referida obra, Londres sujeitou-se a conhecer de perto vários asilos franceses que albergavam doentes mentais, desvendando aquilo que a psiquiatria conhecia e não conhecia na altura (pouco, adiante-se), muito perdida no dogma religioso, pautado na prática por maus tratos e incompreensão dos internados.
A escrita de Londres possui um estilo seco e quebrado na estrutura dos parágrafos e é pautada por ritmos frenéticos e descrições vívidas, moldando assim o papel de cronista do seu tempo. Ao longo das páginas confronta mulheres marginalizadas (que o autor, em tom manifestamente machista, considera mais loucas que os homens loucos), assassinos com e sem remorsos e gente mal diagnosticada que, por vezes, mais não fez que quebrar moralismos conservadores.
A lei francesa da época, em nada clarividente, revestiu-se de contradições no que dizia respeito à doença mental e aos “alienados”. Este labirinto jurídico permitiu que o diagnóstico à margem levasse a sua avante, agrupando casos distintos sob a mesma condição. Atravessando os tempos, a incerteza mudou de roupagem; os ferros, a água benta e os exorcismos deram lugar ao colete-de-forças e à terapia de choque e, a estas, aliou-se como prioridade os fármacos atordoantes.
«Antigamente era o diabo. Mas o diabo foi destronado.» Contudo, circunstâncias posteriores ao desmantelamento do Antigo Regime e ao “século das luzes” sofreram de alguma inércia contrária àquilo que a época laureou. A Revolução Francesa, lentamente, foi cumprindo aquilo que os seus entusiastas queriam ver estabelecido de imediato. E que, em parte, ainda estamos à espera.
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