Nas Ilhas, o que não falta é boa companhia
Entrevista com Carlos Alberto Machado
A vida de Carlos Alberto Machado encontra-se, desde muito cedo, ligada ao mundo da cultura. Aos 15 anos já se dedicava à animação cultural e ao teatro, tendo mais tarde encenado alguns espetáculos, escritos por si ou em colaboração. Além de professor é autor de diversos livros, reunindo também uma participação dispersa por jornais e revistas, algumas das quais criou e dirigiu. Juntamente com Sara Santos fundou, em Maio do ano passado, a Companhia das Ilhas, que se dedica a editar livros e a um sem número de coisas.
Falámos com Carlos Machado, morador nas Lajes do Pico (Açores) desde 2005, para saber mais sobre esta (boa) Companhia. A partir de agora, e além do chá, das baleias e das paisagens de fazer o coração entrar em sobressalto, os livros – e os cadernos de notas – também passam a ser imagem de marca dos Açores.
A Companhia das Ilhas parece assemelhar-se a um vasto universo que inclui escritores fantasmas, livros onde o humor corrosivo, a poesia e a ironia marcam presença, cursos de escrita ou uma loja que oferece magnéticos circulares, colecções de postais e blocos de notas, todos tendo os Açores como inspiração. Em quatro parágrafos gordos, o que é a Companhia das Ilhas e o que tem para oferecer?
A Companhia das Ilhas nasceu para prestar serviços e criar produtos em áreas que se complementam: imagem, escrita, impressão e edição. E com uma componente, que queríamos mais relevante, de assessoria de comunicação e cultura. O projecto editorial já fazia parte dos nossos propósitos iniciais, mas, em Maio de 2011, ainda não era sentido como premente. Trabalhámos, e trabalhamos, nessas áreas, e até procuramos que sejam mais produtivas, mas resolvemos, digamos, adiantar o projecto editorial – e é ele que tem tido, desde Junho deste ano, maior visibilidade. A edição de livros corre paralelamente com a criação e edição de materiais de merchandising cultural, tendo, apenas neste caso, uma vertente exclusivamente açoriana, para já.
Temos um particular gosto pelos livros, diria paixão, se a palavra e o que ela envolve não estivessem tão banalizadas, ao nível do lixo mediático. A Companhia das Ilhas-editora, no actual panorama da edição em Portugal, tem afinidades com alguns outros projectos, tanto por razões de dimensão (micro, familiar) e independência (a todos os títulos), como pela sua política editorial, desalinhada de modas e que não tira senha para se pôr nas filas de grupos de gosto (e outros). A sua singularidade ancora-se na natureza da sua localização geográfica: a vila das Lajes do Pico (cerca de 300 habitantes), Ilha do Pico (cerca de 15.000 habitantes) – mas não fazemos disto bandeira de nenhuma corrida ou festa. Nada impede o projecto de estar aberto ao mundo – antes pelo contrário.
As edições da Companhia das Ilhas são de pequeno formato e com reduzido número de páginas. Como não é um figurino, não precisou de costureiros. Os autores, os “géneros” e as colecções são escolhas de gosto pessoal (critério tão bom ou tão mau como qualquer outro). Articulam-se com a opção de editar “géneros” negligenciados por grande parte das editoras portuguesas – poesia, teatro, conto. Os preços baixos são uma opção complementar de política editorial e não um estratagema comercial (o que implicaria a subalternização de textos e de autores, como tantos por aí fazem). Esta política agiliza a edição e passa ao lado das máquinas (demasiado) bem oleadas do mainstream (e de algumas pretensas margens). Algures entre o panfleto, o artigo de revista e o “folhetim” está um livro Companhia das Ilhas.
A Companhia das Ilhas é ilha em muitos sentidos, mas uma ilha movente que deita âncora aqui e ali: livrarias (reais e virtuais), formas várias de distribuição e venda (mas atenta às perversidades do sistema e sempre pronta a zarpar para outras geografias menos tentaculares).
Quais as principais motivações que levaram à sua criação?
Somos uma micro-empresa familiar. Fazemos agora com a Companhia das Ilhas aquilo que, em outros tempos e de outros modos, fizemos individualmente ou em colectivos.
Que balanço fazes destes primeiros dezanove meses de vida?
Em 2012 editámos 11 títulos – 4 de poesia, 1 de teatro, 1 de crónicas e 5 de ficção, sendo dois destes de um género situado algures entre a micro-história e o aforismo – com quase 3.000 exemplares impressos, cerca de metade deles vendidos. Realizámos uma oficina de BD, ilustração e argumento. Prestámos alguma assessoria de comunicação, e coisas avulsas. Estamos contentes mas insatisfeitos.
Como é ter o coração da Companhia nos Açores? Isso dificulta de algum modo a forma de trabalhar e de estar no mercado editorial?
A Companhia das Ilhas é açoriana por circunstâncias complexas. Sempre que editamos autores açorianos, fazemo-lo porque gostamos desses autores (alertando para que sabemos diferenciar percursos, saberes e capacidades) e também porque gostamos de mostrar caminhos já feitos mas que têm a ganhar se forem vistos sob olhares renovados. Aqui, nos Açores, é obviamente uma vantagem editar temas e autores açorianos – a todos os níveis. Fora daqui, depende.
Em termos literários, a Companhia das Ilhas oferece uma grande diversidade, como monólogos teatrais – “Bela Dona e Outros Monólogos”, de Pedro Eiras -, pensamentos fragmentados dedicados ao felino doméstico – “A Minha Gata”, de João Paulo Cotrim – ou um retrato do quotidiano através da poesia – “Às Vezes é um Insecto que faz Disparar o Alarme”, de Nuno Costa Santos”. Dirias que apesar dessa diversidade há um fio condutor entre as obras? E como podemos destrinçá-lo – ou nomeá-lo?
Quando alguém que não conhecemos nos envia propostas de edição dos seus originais, respondemos invariavelmente que não fazemos julgamento de livros e de autores, não temos queda para juízos e juízes (“marajás”, parafraseando o Eduardo Lourenço). Somos de gostos fortes, de impulsos, intuições e de costela anarquista. Já lemos uns quantos livros, o que poderá ajudar. Há quem goste de se aconchegar aqui, outros não. É assim a vida.
Há uma colecção denominada “Terra Açoriana” e outra baptizada de “transeatlântico” – que gira à volta dos Açores, da África Lusófona e do Brasil -, para a qual estão em preparação três lançamentos de autores açorianos. Podemos ver a Companhia das Ilhas como uma rampa de lançamento para autores nascidos na Atlântida açoriana?
Temos também a “azulcobalto” – e vamos ter mais. A relação privilegiada com outros arquipélagos e com o dito mundo lusófono não resulta de uma colagem a um certo air du temps (tantas vezes de má consciência), mas é a efectivação de certas vivências e cumplicidades. Queremos ter com quem escreve uma relação franca, independentemente de geografias, etc. Se alguém desejar “rampas de lançamento”, tem todo o direito de o fazer.
A par dos livros, a loja online da Companhia das Ilhas oferece objectos inspirados pelos Açores como as colecções de postais sobre as Festas do Espírito Santo ou a caça à baleia, os magnéticos com motivos da natureza e da cultura local ou os cadernos de notas que farão inveja a muito bom moleskine. Como têm sido olhados estes objectos pelo público e de que forma é importante esta componente comercial para a editora?
Os nossos cadernos de notas QuickTour (marca registada que fazemos em parceria com a Milideias) são um pequeno sucesso. Vamos trabalhar mais nesta área (por enquanto, apenas com referência aos Açores e à sua história e cultura).
O que nos vai trazer o ano de 2013 para a Companhia das Letras? Podes revelar-nos já alguns lançamentos futuros?
Temos muitos compromissos, alguns sem data. Se não surgir nenhum tsunami, editaremos em estreia absoluta um livro de poemas de Madalena C. Campos, outro do poeta Helder Moura Pereira, os moçambicanos Luís Carlos Patraquim, também com poemas, e, com estórias, o José Pinto de Sá. Os açorianos Urbano Bettencourt, poesia, Rogério Sousa, ficção. O brasileiro Luís Maffei, poesia. De Espanha (Canárias), poesia sobre Lisboa de Ricardo Pérez Piñero. Um texto teatral do Rui Pina Coelho. Uma nova colecção, “Viageiros”. E uma colecção sobre músicos açorianos, com direcção de José Manuel Bettencourt da Câmara, que se inicia com um volume dedicado a Francisco de Lacerda. E muita coisa sobre os museus açorianos.
Vives nas Lajes do Pico desde 2005. De que forma alterou essa mudança geográfica a tua forma de escrita e de relação com o mundo (humano e natural)?
Escrevo sem geografia (acho…). Mas os locais, as pessoas e tanto mais, aqui como em qualquer outro lugar no mundo, não me deixam muito optimista quanto ao futuro da humanidade. E gosto de crises.
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