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Jonas Mekas

Entre 15 e 25 de Outubro, o Doclisboa dá-nos a conhecer a obra fílmica de Jonas Mekas e o próprio.

Nasceu numa pequena aldeia na Lituânia em 1922. Na sua juventude escreveu e publicou poesia em lituano, actividade que manteve ao longo da vida, mas que durante a Segunda Guerra Mundial adquiriu uma voz de activismo político, forçando-o a sair do seu país em 1944. Na viagem para Viena, onde iria estudar, o comboio foi interceptado por oficiais nazis. Mekas e o seu irmão (Adolfas) foram enviados para um campo de trabalhos forçados. Fugiram no ano seguinte e de 1946 até 1948, Jonas estudou filosofia na Universidade de Mainz. Em 1949, exilaram-se nos Estados Unidos, no bairro de Williamsburg em Brooklyn, Nova Iorque, onde existia uma pequena comunidade lituana.

Comprou uma câmara pouco depois; começou a frequentar as sessões da “Cinema 16” de Amos Vogel (autor do seminal livro “Film As A Subversive Art”) e de Marcia Vogel, que de 1947 a 1963 foi a principal sociedade não lucrativa a exibir e distribuir cinema experimental norte-americano. Frequentador ávido de todo o tipo de mostras cinematográficas, Jonas Mekas afirma não ter falhado uma sessão. Foi ali que estabeleceu contacto regular com as novas expressões e as pessoas envolvidas.

Como a “Cinema 16” tinha critérios de selecção que excluíam muitas obras, em 1953 iniciou o seu trabalho enquanto divulgador, programando sessões em locais como a Gallery East ou o Carl Fisher Auditorium. A coragem de exibir filmes com conteúdos ofensivos para a época fez com que fosse preso por ter mostrado “Flaming Creatures” de Jack Smith e “Un Chant D’Amour” de Jean Genet.

No ano seguinte lançou a revista “Film Culture”, que veio preencher a lacuna de uma publicação periódica na voz daqueles que tinham algo a dizer sobre os novos filmes avant-garde. Também se dedicava ao cinema de indústria de Hollywood e ao europeu e contou com colaborações regulares de Peter Bogdanovich, Stan Brakhage, Rudolph Arnheim, Andrew Sarris, Michael John Fles, entre muitos outros. Quatro anos depois iniciou uma colaboração regular com o “Village Voice”, assinando a coluna “Movie Journal”, que manteve ao longo de 18 anos.

Das reuniões sobre financiamento e distribuição, que começaram em 1959, o The New American Cinema Group, composto por vinte artistas, entre os quais Mekas, Shirley Clarke, Stan Brakhage, Gregory Markopoulos, fundou a não lucrativa The Film-Maker’s Cooperative em 1962. Pouco depois surgiram as semelhantes Canyon Cinema em São Francisco e a londrina London Filme-Maker’s Co-op.

Dois anos depois, novamente com Brakhage, mais Peter Kubelka e P. Adams Sitney, funda a Filmmaker’s Cinematheque, que se viria a fundir na Anthology Film Archives em 1969, ainda hoje um local de arquivo, exibição e preservação dos filmes avant-garde da primeira metade do século XX, reunindo mais de onze mil filmes de realizadores norte-americanos. Entretanto, o interesse dos espectadores era tal que se listou a “Essential Cinema Collection”.

Jonas Mekas estava na cidade certa no início da sua era de ouro e aberto ao que era urgente fazer em relação ao cinema do seu tempo.  A ele devemos a criação de canais de comunicação para exibir, divulgar, distribuir e preservar os filmes da vanguarda norte-americana. Mas o movimento de quem compunha o New American Cinema, New Hollywood, o underground, a comunidade artística da sua geração, ter-lhe-iam ficado gratos somente pela construção de um discurso sobre o vanguardismo. Mesmo nos anos de grande agitação política, Mekas manteve-se concentrado na sua causa, a de apoiar os filmes vanguardistas.

Quanto aos seus filmes, cedo descobriu que o que lhe interessava era filmar a vida quotidiana e não algo encenado, seja o mero dia-a-dia da sua família ou o ambiente artístico de Nova Iorque. Só mais tarde é que compôs as imagens em espécies de diários, tornando-se um dos pioneiros desse tipo de registo.

“Walden”, o primeiro da série “Diaries, Notes, Sketches”, agrupa imagens de 1964 até 1969. Ao longo das suas seis bobines, organizadas cronologicamente, amigos, a família dos amigos, a família de Mekas, viagens, situações, misturam-se como hipótese de criar uma história – encontrar um sentido – aos olhos do espectador. Contudo, é redutor, na maior parte das vezes, procurar-lhe significado ou, muito menos, categorias da narrativa convencional, como se de um documentário da época se tratasse. Mais do que um registo autêntico de preservação da memória, assemelha-se sim a um poema visual.

Inicialmente, só o fascínio de passear pelo imenso arquivo de Mekas parte de estarmos a ver personalidades que pertencem ao nosso imaginário popular. Convirá ressalvar que estas figuras tinham uma relação muito próxima entre si. Exemplo disso é que Andy Warhol aponta Mekas como o responsável pela inclusão do cinema na sua produção artística. Entre os grandes estão: Stan Brakhage, Tony Conrad, Allen Ginsberg, Velvet Underground, Michael Snow, Kenneth Anger, Marie Menken, Ernie Gehr, James Broughton, Jack Smith, Norman Mailer, John e Jackie Kennedy, Ken Jacobs, John Lennon e Yoko Ono, Barbet Schroeder, Hollis Frampton, Timothy Leary, Harry Smith ou Edie Sedgwick.

Daí não se estranha que numa parte da sua obra nos últimos trinta anos haja várias elegias aos seus amigos. A primeira, “Notes For Jerome” (1978), é dedicada ao grande amigo artista e filantropo Jerome Hill, que ofereceu espaço e dinheiro para a Anthology Film Archive. Em “Zefiro Torna or Scenes From The Life Of George Maciunas” (1992), há um apanhado das performances do Fluxus, cujo manifesto foi assinado pelo conterrâneo de Mekas, Maciunas. Esta é a que tem um tom mais elegíaco, Mekas aborda a sua relação com a morte e lê as páginas do seu diário referentes à doença do seu grande amigo. “Happy Birthday to John” (1996) inclui cenas da inauguração duma exposição no dia 9 de Outubro de 1972 de John Lennon e Yoko Ono, que coincidiu com o aniversário de Lennon. O retrato da festa exala a beleza e a espontaneidade dos amigos do casal, enquanto ouvimos canções de alguns dos intervenientes gravadas no evento. “Scenes from Allen’s Last Three Days on Earth as a Spirit” (1997) acompanha os rituais da partida de Allen Ginsberg. Outra das mais importantes é “Scenes from the Life of Andy Warhol” (1982).

São poucas as filmagens apresentadas na íntegra, mais raras as de acontecimentos históricos como as da primeira aparição pública dos Velvet Underground em 1966. A obra de Mekas transmite uma noção muito complexa da História referente às figuras de culto que rodeavam a sua câmara, para além da sua vivência pessoal. Existe um desfasamento entre a imagem colectiva destes ícones e os retratos esboçados de Mekas. Mais relevante é a não linearidade do processo de edição, em que cenas são desconectadas da sua realidade original para serem reapropriadas, recicladas, adquirindo nova significação uma vez reinseridas nos contextos de outros filmes. Deve gerar confusão na mente do Mekas lidar com todas as perspectivas, ao editar a película da sua câmara, tendo a memória dessas vivências presentes. A essa junte-se o processo mental de edição das personalidades públicas e íntimas dos fazedores da sua cultura contemporânea. Perante a montagem, Mekas é o criador do que foi testemunha e participante, ao fazer escolhas subjectivas e relativistas.

Se por um lado ele afirma que a vida dele é um filme extensíssimo, por outro ele elimina grande parte da sua vida e ainda subtrai mais ao filmar e/ou acrescentar intervalos entre os frames. Também vai faltando o registo áudio e a narração do que está a acontece. Como tal, a ausência está inscrita na sua interpretação do real. No entanto, não existe só descontinuidade no método de Mekas, por diversas vezes trabalhou blocos temporais ou temáticos.

Geralmente os filmes estão sedimentados, nos quais a narração é frequentemente extra-diegética e a música (por vezes interpretada pelo próprio) raramente se aproximam das imagens. A voz ou a música parecem estar numa camada superior mais perto de nós. As sequências encontram-se também divididas por títulos intermédios escritos à mão, pela sua localização ou por matéria, sendo que um frequente “this is a political film” levanta questões.

Os seus filmes são compostos de cenas fragmentadas, pedaços de película, muitas vezes constituídas por um só frame, se bem que raramente isoladas. As sequências têm a duração curta de um segundo a poucos minutos num ritmo sincopado. A câmara é intencionalmente instável, por vezes Mekas deixa-nos uns segundos de gravações em que ele não estava a ver o que filmava, tendo a câmara com ele ou pousada. Às vezes a câmara salta de mãos para alguém que resolveu filmá-lo.

Isto resulta numa linguagem visual própria, limitada, os seus amigos do cinema experimental e outros que explorassem as capacidades técnicas. O seu estilo transborda movimento e variações rápidas de focagem. Raras vezes surgem sobreposições (ou experiências como sobreposições invertidas). Em suma, as imagens trementes são reconhecíveis pela sua cor desbotada e por tremeluzirem.

Mais recentemente, em 2007, Mekas utilizou o seu site como forma de usar as novas tecnologias aplicadas à sua técnica, criando uma plataforma chamada “365 Films”, que consiste na colocação online de uma curta por dia. A relação desde sempre muito íntima entre ele e o público tornou-se ainda mais próxima.

A essência da manufactura dos seus filmes é a celebração da vida, é alegria que connosco e com os seus amigos partilha.

Ilustração do artigo de Isabel Salvado



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