63_Yard_Act-5052

MEO Kalorama 2024 | Dia 3 (31.08.2024)

,

Texto por Miguel Barba e fotografia por Graziela Costa.

O último dia da edição de 2024 do Kalorama começou com as palavras assertivas de Br!sa e a magnífica voz de Fabiana Palladino. Cláudia Pascoal montou um arraial no palco MEO e Moonchild Sanelly fez a festa no Palco Lisboa. Ana Moura guiou-nos pela sua “Casa Guilhermina” e os Bandalos Chinos vieram das pampas para fazer a festa. Os dEUS foram iguais a si próprios, o tempo há e coisas que não mudam (felizmente). Os Yard Act fizeram um festão que foi, muito provavelmente, o concerto da noite. No palco MEO, Burna Boy transformou o Parque da Bela Vista num autêntico dancehall.

Br!sa tem o palco MEO naquela hora injusta, parca em pessoas, mas não nas palavras. Sem qualquer tipo de pudor em falar e apontar o dedo. Foram espaço e momento bem aproveitados para se dar a conhecer a mais pessoas, mais uma vez pela mão de Sam the Kid, e numa altura em lançou o seu EP de estreia, ” É FDD.”.

«I Can’t Dream Anymore» vai-se fazendo ouvir a bela voz de Fabiana Palladino, numa canção que poderia ter saído dos 80, mas que foi alvo de uma infusão sonora que a faz soar contemporânea igualmente. «Shooter» mostra-nos como os teclados, sintetizadores, bateria e guitarra estabelecem uma graciosa simbiose. Também ajuda que o álbum homónimo de estreia, seja um potencial conjunto de singles, mas isso será apenas e só mérito a atribuir a Palladino. As ilhas de sua majestade continuam a oferecer-nos com uma agradável regularidade estas delicadezas pop, construídas com talento, sensibilidade e bom gosto, e que cuja tendência é continuarem a crescer e a evoluir. Esperemos que seja também o caso de Fabiana Palladino.

O palco está preparado para um pequeno arraial e cães de loiça e é exactamente isso que Cláudia Pascoal nos traz com o seu mundo. «Fado Chiclete» é a primeira canção que materializa este imaginário em cima do palco MEO durante 40 minutos. Se a primeira canção invoca, ainda que indiretamente, uma influência do Variações, a seguinte arranca com um cavaquinho para de seguida introduzir sintetizadores e guitarra eléctrica. Sem mácula e com direito a karaoke no ecrã de fundo. E não houve Rebeca mas houve Mike El Nite para fazer da plateia um baile em jeito de Santos Populares, em «Três É de Mais» Segura de si e com uma personalidade tremenda e magnética, rematada com sentido de humor, foi uma escolha acertada para o final de tarde no Parque da Bela Vista, com a tradição e o contemporâneo a surgirem de par em par e com um mútuo sorriso maroto.

Moonchild Sanelly é o nome de palco de Sanelisiwe Twisha, que se apresentou como sul africana e pronta para “fuck things up” ao som de um lullaby electrónico e num registo a invocar Santigold do início da carreira, numa versão com raízes africanas. Extremamente comunicativa, foi granjeando uma cada vez maior falange de público no Palco Lisboa, com um foco na dança e a mensagem em torno das relações tóxicas, mas que Moonchild Sanelly consegue transportar para palco com um sorriso e sinceridade (e inocência?), mesmo que por vezes pareça estar próximo de perder o controlo.

O filão inesgotável que é a música brasileira trouxe Luiza Lian ao palco San Miguel. Apanhamos a recta final da actuação, onde a artista de São Paulo canta sobre o rio que a cidade sufocou em «Larinhas». Apenas em palco com um outro elemento, encarregue de uma percussão electrónica e dos demais sintetizadores.

Incluir Ana Moura num festival de Verão é um corajoso e ambicioso, mas reconheça-se em abono da verdade que encaixa que nem uma luva no alinhamento reservado para este último dia, colocando de parte qualquer discussão sobre os nomes do cartaz. Em palco aposta revela-se acertada. Ana Moura olha para o fado e interpreta-o de forma muito própria incorporando outras influências, mas em nada estranhas a esta Lisboa, moderna, cosmopolita e que tão facilmente nos leva a pensamentos passivo-agressivos. Em palco a acompanhá-la, está Gaspar Varela, dos Expresso Transatlântico, e um perfeito exemplo desta Lisboa.

“Casa Guilhermina” é o cerne desta actuação que, nas palavras de Ana Moura, nos irá levar pelas suas várias divisões, imediatamente antes de se lançar «Desfado» a irradiar África por todos os lados. «Desliza» é uma das surpresas reservadas; um tema que será editado em Setembro e que reforça Ana Moura como alguém que está muito para além do fado, e procurando a dança como elemento agregador. O vira volta a fazer-se ouvir no palco MEO enquanto Ana Moura sai de palco durante alguns instantes para um vestido branco, justo e longo. Pedro Má Fama junta-se à sua companheira para «Nada Fica», para um dueto intenso entre ambos. «Mázia», perto do final surge dedicada à sua prima, que já nos deixou, mas que vive na alegria da canção.

Directamente da Argentina os Bandalos Chinos trazem-nos um pop rock mui dançável e que poderia figurar facilmente numa série ou filme dos 80, movendo bastante gente para o palco Lisboa, em disputa directa com os dEUS que arrancam no San Miguel dez minutos depois.

Tom Barman é um velho conhecido, e actualmente dispõe inclusivamente um programa na Futura. Sabe sempre bem quando velhos amigos se voltam a reunir, para matar saudades e celebrar. É exactamente isto que se trata aqui. Com o seu rock pulsante, intemporal e quase imutável naquilo que é a sua essência, com as indispensáveis pinceladas de jazz, os belgas mantêm uma invejável influência em Portugal, com um público fiel, evidente no início que se faz ao som de «How to Replace It» e «Quatre mains». «The Architect» envolve todos os elementos da banda no acto de cantar, algo recorrente nos dEUS, como afirmação colectiva. A voz rouca, mas versátil de Tom Barman, ora nos sussurra, ora canta, ora fala, ora grita. Vive e existe no momento. Molda-se conforme as necessidades. O tempo é sempre curto pelo que não há necessidade de reservar os clássicos para o final, «Instant Street», com a sua bela toada folk inicial, que depois evolui para uma jam em que o rock pontifica. A par da canção anterior «Fell on the Floor, Man» transpira a 90s, numa altura em que as guitarras pareciam ter uma urgência muito própria.

Os Yard Act aprenderam umas  coisas com os LCD Soundsystem, mas depois tiveram a feliz ideia de pensarem por si próprios. Post punk visceralmente dançável. Não precisamos do regresso dos Oasis;  precisamos sim é de mais bandas com coros e coreografias como os que Lauren Fitzpatrick e Daisy Smith garantem para os Yard Act, com uma dinâmica incrível, transportada para o espectáculo que reparte o foco nos dois álbuns da banda.

Nem mesmo terem passado pelo LAV em Abril deste ano, para apresentar o mais recente álbum, “Where’s My Utopia”, desmobilizou uma franja de público em busca de algo diferente do que o palco MEO ia oferecendo. Nota alta para guitarra de Sam Shipstone, por nunca se conformar e procurar sempre desafiar tudo e todos, e em várias ocasiões exemplarmente auxiliada pelo saxofone de Christopher Duffin, que também assumia o protagonismo com os teclados. Sempre frenético, com cada palavra a ser pronunciada num vincado sotaque inglês, James Smith fez-nos dançar. Muito. O prazer em partilhar esta hora das nossas vidas foi verdadeiramente recíproco, selado ao som de «The Trench Coat Museum».

Burna Boy é o nome maior da música nigeriana actualmente e lota recintos não só em África, mas também na Europa. A sua terceira visita a Portugal levou-o finalmente a um grande festival, e logo como cabeça de cartaz. Burna Boy trouxe o seu afrosusion a uma plateia que logo à partida estava rendida e ali para o receber e às suas canções que incorporam o dancehall oriundo da Jamaica e elementos de hip hop, sempre numa fórmula extremamente dançável, mesmo que em detrimento de alguma qualidade da entrega, que não parece ter incomodado muito os presentes.

O Kalorama estará de regresso em 2025.

 

.
Podem encontrar todas as reportagens completas do MEO Kalorama 2024 aqui.



There are no comments

Add yours

Pin It on Pinterest

Share This