MEO Kalorama 2024 | Dia 2 (30.08.2024)
Texto por Miguel Barba e fotografia por Graziela Costa.
O segundo dia teve uma forte representação portuguesa a abrir com Os Unsafe Space Garden e os Glockenwise a assinarem dois óptimos concertos no Palco Lisboa e com a Emmy Curl a mostrar o seu solar punk no Palco San Miguel. Os The Kills apresentaram-se com serviços mínimos, deixando a bateria de fora o que tornou uma prestação com entrega total, é certo, estranha. Os English Teacher deixaram claro que devemos contar com eles e os Death Cab For Cutie e os The Postal Service tornaram realidade o sonho de muitos. Por fim, James Murphy e os seus LCD Soundsystem foram tudo aquilo que se esperava deles, oferecendo um um concerto inesquecível com o final perfeito.
Os Unsafe Space Garden tem uma palete sonora em que o ecletismo anda de mão dada com o psicadelismo e uma dose de ironia e crítica social. A “tremendous comprehension”.
A Pastoral de Emmy Curl desfilou perante a plateia do San Miguel que foi engrossando à medida que o tempo ia passando. As comparações com Ana Lua Caiano serão sempre inevitáveis porque a ideia da música tradicional é comum, no entanto a execução é bem distinta. O solar punk de Emmy Curl talvez a aproxime mais de terrenos mais etéreos. Destaque para «Encanto», poema do bisavô de Curl musicado como tecno transmontano, e apresentado como uma canção inédita, em estreia.
É uma massa humana interessante a que se vai juntando frente ao palco Lisboa para (re)ver os Glockenwise, que continuam a celebrar o seu “Gótico Português”. “Cheguem-se aqui para a nossa beirinha. Temos umas coisas para dizer.”, e foram dizendo, canção após canção, no seu post-punk barcelense, sempre com urgência porque em palavras sempre foram parcos e o tempo em palco é curto, mas é um «Dia Feliz», num concerto num crescendo constante e a clara sensação de que mereciam pelo menos o Palco San Miguel.
No palco MEO Olivia Dean passeia a sua soul perante um surpreendente número de pessoas, que surpreende também a própria, mas o nosso destino é o palco San Miguel para ver Alison Mosshart e Jamie Hince. Os The Kills sobem ao palco à hora marcada de guitarras em punho e ao som de «Kissy Kissy» e sem bateria, mas ambos com uma pinta do caraças. É um concerto de serviços mínimos no que à banda diz respeito (resume-se apenas a Hince e Mosshart) mas o rock está presente e é aplicado directamente na veia para melhor absorção pelo corpo.
Pelo palco Lisboa o futuro. Os English Teacher demonstram porque devemos contar com eles. De Leeds têm saído muitas e boas bandas nos últimos tempos, onde estes se inserem. A matriz base é post punk, mas depois apalpa outros terrenos como que em busca da sua identidade. É um processo. Nesta fase é fácil de identificar influências como Florence + The Machine ou até um piscar de olho ao spoken word que Florence Shaw dos Dry Cleaning (com as devidas distâncias), mas também há espaço para post-rock e experimentalismo e é quando decidem avançar por essas paisagens que a sua música se torna verdadeiramente interessante e aqui é fácil lembrarmo-nos dos Black Country, New Road como farol, embora os English Teacher se percam um pouco quando navegam por estas águas. A fechar a sequência composta por «This Could Be Texas», «Nearly Daffodils» e «Albert Road» mostram o porquê de estes English Teacher serem uma banda a seguir com atenção nos próximos tempos.
Trata-se de um concerto com características muito próprias. Duas bandas com um elemento em comum que assinalam cada uma data incontornável da sua carreira. Os Death Cab For Cutie os 21 anos do lançamento de “Transatlanticism” e os The Postal Service os 20 anos sobre “Give Up”, que uma imensa comunidade na internet tornou relevante e incontornável. O protagonismo foi repartido para toda uma geração que aguardava por este momento.
«New Year» abre como que sem perspectivas. Familiar, não? Guitarras ao alto e sentimo-nos, retroceder 21 anos; é uma sensação estranha, mas agradável, ainda para mais porque este álbum continuou presente. Sim é desses. «Lightness» é absorvida de olhos fechados e «Title and Registration» leva-nos pelas trivialidades que num dado momento são algo de vital. Seguimos na fila em «Expo 86» e «The Sound of Setling» segue o registo grandioso da anterior e com direito, não a nós no estômago, mas ao arrepio na espinha que se prolonga com «Tiny Vessels», mesmo que com um ou outro verso mórbido. «Transatlanticism» remete-nos para distâncias e parece pertinente estarmos aqui do outro lado do Atlântico. «Passenger Seat» é contemplação. «Death o fan Interior Decorator» mantém-nos no rumo da felicidade até chegarmos a «We Looked Like Giants» dedicada a quem fez sexo em carros. «A Lack of Colour» encerra a primeira parte de forma perfeita.
Segue-se uma pausa de 15 minutos para ajustar o palco e para Ben Gibbard se refrescar e vestir o seu melhor fato branco. O arranque com «The District Sleeps Alone tonight» e «Such Great Hights» é um arranque perfeito. «Sleeping In» traduz um desejo cada vez mais difícil de atingir. As diferentes percepções numa relação são espelhadas no fantástico dueto entre Gibbard e Jenny Lewis em «Nothing Better». Delicioso. Jenny Lewis brilha. Segue-se «Recycled Air», que reduz o número de beats, mas apenas temporariamente, para retomar o ritmo acelerado logo de seguida com «Clark Gable», que leva Gibbard para detrás da bateria na parte final da canção.
«We Will Become Silhouettes» é sobre o que fica depois de partimos e à introspecção de «This Place Is a Prison», segue-se «Brand New Colony» e sobre novos começos. “Everything will change”. «Natural Anthem» é o hino drum and bass que não sabíamos que precisávamos neste momento. No final, os Death Cab For Cutie e os The Postal Service juntam-se em palco, no topo da colina como várias vezes Gibbard se referiu à localização, para um cover de «Enjoy the Silence» dos Depeche Mode.
LCD Soundsystem, ou como tornar o Parque da Bela Vista numa pista de dança com uma receita que assusta de tão simples que é (na sua essência). Os processos nas canções de James Murphy são simples; a batida sincopada, a guitarra, um teclado, uma percussão. A chave (e o talento) está mesmo na forma como são combinadas. É exímio nisto. «Us v Them», dá início a um concerto que foi tudo aquilo que os muitos milhares que ali estavam esperavam: inesquecível. «Tribulations», pouco depois, trepida pelos nossos corpos. «Someone Great» terá sempre um dos melhores inícios que uma canção pode ter. E será sempre uma enorme homenagem aos grandes que partem. Canção após canção, a boa disposição entre James Murphy, Nancy Whang, Pat Mahoney, Tyler Pope, Al Doyle e Korey Richey, torna-se cada vez mais notória, havendo espaço para verdadeiros diálogos entre vários elementos enquanto nos entregam clássico atrás de clássico, sempre com um sorriso desenhado nos rostos.
A sequência final é para deixar tudo em palco com, não uma, mas duas cerejas no topo de um bolo de várias camadas. «New York, I Love You but You’re Bringing Me Down» é absorvida e é inevitável não traçarmos certos paralelismos com o local onde estamos. «All My Friends» é a absoluta apoteose; são muito poucas as canções que atingem este nível e que são abraçadas de uma forma tão efusiva e celebratória, por uma imensa massa humana que termina a cantar – bem cá do fundo – “Where are your friends tonight? / If I could see all my friends tonight”, de coração cheio, por este momento e por os muitos outros que foram acontecendo ao longo deste dia.
Podem encontrar todas as reportagens completas do MEO Kalorama 2024 aqui.
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