“O Belo Verão”, de Cesare Pavese
Relato requintado do primeiro amor e da inocência perdida.
“Nesse tempo era sempre uma festa. Bastava sair de casa e atravessar a rua, para ficarmos como doidas, e tudo era tão bonito, especialmente de noite, que ao voltarmos mortas de cansadas esperávamos ainda que acontecesse alguma coisa, que se desencadeasse algum incêndio, que em casa nascesse uma criança, ou talvez que o dia viesse de repente e que toda a gente saísse para a rua e se pudesse continuar a andar, andar até aos campos e até para lá das colinas. – Tendes saúde, sois novas – diziam-nos”
Assim começa O Belo Verão, de Cesare Pavese, escrito na primavera de 1940, mas publicado apenas em 1949, após o que viria a ser distinguido com o Prémio Strega e agora recuperado para a coleção Dois Mundos (Livros do Brasil), depois de um longo período em que permaneceu esgotado no mercado português.
Uma história escrita sob o signo da juventude e da leveza, com um desenvolvimento lírico, sensual e ricamente evocativo da cultura italiana do período entre guerras, onde, Pavese, nos apresenta um enredo centrado no paralelismo entre a transição da adolescência para a idade adulta e as variações impressionistas dos enquadramentos, ora luminosos, ora marcados por brumas melancólicas, que nos leva a experimentar na forma escrita, algo próximo da ambiência do realismo mágico dos filmes de Fellini.
O clima do romance extrai-se da energia ociosa, porém inquieta, do verão.
“Nesse tão belo ano, em que começavam a viver sós, Ginia depressa se apercebeu de que o que tinha de diferente das outras era o estar só em casa – Severino não contava – e de poder aos dezasseis anos viver como uma mulher feita.”
Estamos, portanto, no auge do verão na Itália dos anos 1930 e Ginia, uma órfã de dezasseis anos, que mora sozinha com o irmão, trabalhador noturno, anseia por diversão depois do expediente na oficina de costura onde trabalha.
Quando a sua amiga Rosa lhe diz que teme estar grávida, Ginia sente-se traída e deixada de fora como se a tomassem por uma criança. Ainda que firme na convicção de que “aos dezasseis anos é cedo demais”, ela também é incapaz de pensar sobre isso sem se sentir humilhada. Decide então buscar novas companhias e essa sede de vida, leva-a a juntar-se à elegante e sofisticada Amelia, uma mulher mais velha que ganha a vida posando para pintores.

Amelia traz uma espécie de tensão ao mundo de Ginia, tornando-a consciente da sua própria inexperiência e levando-a a envolver-se num mundo novo, deslumbrante e repleto de prazeres reservados apenas àquela estação – andar pelos campos para lá das colinas, abrir janelas e sentir o perfume da noite, descobrir o que se esconde por detrás de um cortinado…
“Só se aborrece quem quer – O copito beberam-no no primeiro café que encontraram e, mal saíram, Ginia sentiu no ar uma frescura que antes não havia, e pensou que era bom que de verão o álcool refrescasse o sangue. Ao mesmo tempo, Amelia explicava-lhe que quem não faz nada o dia todo tem ao menos o direito de se distrair à noite, mas vem uma altura, às vezes em que se fica com medo do tempo que passa, e já não se sabe se vale a pena correr tanto”
Tudo é abordado com relativa simplicidade, mas simultaneamente carregado de sentimentos contraditórios de fascínio/repulsa diante da vertigem da descoberta e transição para a vida adulta. Depara-se então com um conjunto de situações que desencadeiam nela as hesitações, as dúvidas, as emoções à flor da pele, o despertar dos sentidos e a sensação de ser muito jovem, de não compreender totalmente o jogo.
É nesta deambulação numa aparente busca da felicidade e libertação pelo contacto com os outros que, como uma borboleta atraída pela chama que irradia dos prazeres inebriantes da paixão, Ginia cederá à tentação de se oferecer a Guido, um jovem e enigmático pintor por quem se apaixonou. Porém esta é uma relação carregada de falsa esperança, destinada a não durar mais do que o curso de um verão, durante o qual ela se entrega com todo o seu ser, mas de onde somente provirá deceção.
Ginia quer crescer, ser mulher, mas a sua tenra idade e modéstia serão sucessivamente minadas por jovens mais maduros e que de uma ou outra forma, consideram os relacionamentos menos cândidos do que ela.
“Havia momentos, na rua, em que Ginia se detinha porque de repente sentia até o perfume das noites de verão, e as cores e o rumor e a sombra dos plátanos. Pensava nisso no meio da lama e da neve, e parava às esquinas, com o desejo na garganta. «Virá de certeza, as estações voltam sempre», mas parecia-lhe inverosímil, precisamente agora que estava só. «Sou uma velha, é o que é. Tudo o que era bonito acabou.»”
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