Omiri
Os Omiri são o símbolo da modernidade no século XXI, mantendo vivo o mito cultural português.
As histórias de amor existirão para sempre e o amor que o ser humano nutre pela música é eterno. Neste caso, o amor que estes dois homens nutrem pela música é verdadeiro e transparente. Esta veracidade é visível a olho nu pela maneira como falam sobre ela e sobre o que fazem. Nota-se o amor que têm pelo que é tradicional, por aquilo que foi feito no passado e também pelo que é feito no presente. Mas entre as personagens desta história há conflitos, divergências e pequenas discórdias. Entre esta mistura de oposições, as almas nascem ou renascem e coabitam num só nome – Omiri.
Vasco Ribeiro Casais, membro dos Dazkarieh, decidiu criar este projecto em 2007 para ter a liberdade criativa de tocar e compor sozinho. A premissa passa a ser a criação de ambientes de baile que inclui danças tradicionais com músicas de composição original de cariz popular. “A electrónica é algo que não tem limites. Dei por mim em cada concerto a fazer remixes novos e daí optar por fazer um disco, embora ao vivo as canções fiquem sempre diferentes”. Lançado em 2010 sob o título “Dentro da Matriz”, o destaque foi para a canção «Malhão do Vento», a única música cantada num álbum instrumental, baseado no poema de Tiago Torres Silva e interpretada por Né Ladeiras.
Contudo, estes momentos de solidão duraram pouco tempo. Após o convite feito por Tiago Pereira (o criador do célebre projecto A Música Portuguesa A Gostar Dela Própria) para realizarem algo em conjunto para a actuação no Festival Andanças em 2008, o rumo de Omiri transformou-se. «No nosso tempo eram só danças portuguesas, agora são só francesas e inglesas» foi o sample criado para a actuação e que na altura tanto fez correr tinta na blogosfera. “O objectivo é pôr as pessoas a falar sobre o assunto e provocá-las”, assume Tiago Pereira que admite também ser um agente provocador contínuo, sobretudo no que toca à questão do que é (ou não) tradicional no movimento musical nacional.
Quanto ao processo de composição das músicas, essas nascem das danças e os compassos das mesmas que já eram do conhecimento do Vasco Casais e foi a partir desses compassos de dança que as canções foram surgindo, enquanto as recolhas de vídeo, que são projectadas em simultâneo, foram feitas pelo próprio Tiago Pereira. “A grande vantagem de Omiri é o facto de se discutir e de metamorfosear este conceito, sem que nenhum dos dois saia vitorioso”.
As danças tradicionais estão na estrutura corporal de Omiri, bem como os instrumentos utilizados tais como a gaita-de-foles ou o “Bouzoukão” – um cruzamento entre uma Guitarra Portuguesa, um Bouzouki e um Baixo eléctrico. Os videos projectados são imagens de pessoas a dançar em todo o lado: desde ensaios com grandes coreógrafos, danças de ritmos africanos e até mesmo de bailes tradicionais, o que origina um grande contra-senso.
“Eu tenho uma posição perfeitamente preconceituosa em relação à história do baile mas, de certa forma, a continuação deste projecto levantou algumas questões e obrigou-me a tentar libertar-me destes preconceitos”, confidencia-nos Tiago Pereira. Estes preconceitos têm a ver com as orgânicas instauradas dentro dos próprios bailes que não permitem certas mudanças. Contudo, Vasco Casais defende o oposto, ou seja, a cumplicidade na troca de pares e de olhares que se desenvolve neste tipo de ambientes. Omiri acaba por sofrer vários processos de mutação devido ao volume enorme de recolhas em vídeo feitas pelo próprio Tiago Pereira numa espécie de trabalho antropológico. A qualidade do som e de imagem captada faz com que a ideia de video-sampler ganhe cada vez mais fôlego, ou seja, ou seja, todos os sons que Vasco cria coincidem com os movimentos da imagem, como se a recolha da imagem estivesse a ser instantânea.
Se no início da criação de Omiri, este era um trabalho independente, em que cada um elaborava o seu compasso e o seu vídeo, agora Omiri necessita do feedback do pai e da mãe para que funcione num só corpo. De velhotes a tocar bombos, velhinhas que cantam poemas ancestrais, grupos de miúdos a tocar cavaquinhos, só pode resultar um conjunto de melodias eruditas carregadas da modernidade que lhes é emprestada por ritmos electrónicos agregados à imagem manipulada em tempo real. Todo o espectáculo ao vivo tem três pólos: a gravação ao vivo dos samples com os vários instrumentos; a manipulação do vídeo, e as pessoas que estão a divertir-se, a dançar e a partilhar aquele ambiente. Contudo, uma nova vertente emerge e torna-se igualmente importante, a das pessoas que compõem o próprio vídeo e são protagonistas dos sons que influenciam tais composições.
Uma das questões que acaba por se colocar ao escutar com atenção este tipo de sonoridade é a da condição da música tradicional portuguesa. “Metade do país não reconhece o que a outra metade está a fazer e depois há a ideia de que só existem ranchos folclóricos porque estes existem em grupos organizados e estruturados.” Tiago Pereira explica-nos que cada vez mais há pessoas que mantêm vivos outros costumes e que se juntam para ensinar os mais novos, como por exemplo, o caso de Pedro Mestre que ensina cantares alentejanos e toca viola campaniça ou o Roberto Moniz que ensina às crianças a tocar Braguinhas na Ilha da Madeira e ao mesmo tempo adaptam canções dos Sitiados com instrumentos tradicionais. O que existe de irregular nestas situações é o facto de este tipo de informação não chegar ao universo global da população portuguesa e há assim uma grande discrepância entre aquilo que se produz e aquilo que se conhece. As recolhas em vídeo e a divulgação das mesmas servem para que as pessoas acabem por ter conhecimento do que se faz em Portugal e que as tradições ainda estão vivas e recomendam-se. Como é que estas pessoas chegam até ao Tiago Pereira? “Alguns grupos fazem questão que eu os vá filmar. Outros dão-me os contactos de outras pessoas e lá vou eu à procura delas. Outras simplesmente cruzam-se no meu caminho e isso é o que mais me surpreende”.
Se todo este projecto te parece confuso ou algo incompreensível e impensável, recomendamos-te que vejas o seguinte vídeo, mas advertimos que nada disto é com o pretexto de brincar ou ridicularizar alguém.
Gostaste? Queres ouvir mais? O álbum só sairá em Março, mas até lá vai estando atento à agenda cultural pois eles podem instalar um baile muito perto da tua rua.
Pode-se afirmar que o é tradicional acaba por ser contemporâneo e não há novos estilos musicais sem influências do que é erudito. Sendo assim, os Omiri são o símbolo da modernidade no século XXI, mantendo vivo o mito cultural português, com os famosos Repasseados, juntando um Drum’n’base, dançando malhões e viras. No final junta-se uma pitada de Break Beat e o resultado é um Corridinho que te faz tirar os pés do chão e te põe o coração a vibrar.
Fotografia por Joana Cardoso
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