Rádio Favela

Uma Onda no Ar.

Favela Chic

“Cidade de Deus é veneno e Rádio Favela, o soro”. A frase é de Misael Avelino dos Santos, criador da Rádio Favela de Belo Horizonte, que inspirou o filme de Hevelcio Ratton sobre a emissora pirata que sofreu perseguições na década de 1980. E não podia ser mais feliz.

De facto, Rádio Favela tem tudo e nada a ver com a obra de Fernando Meirelles. Se, por um lado, o ponto de partida é relativamente semelhante (a ficção que podia ser realidade através da pobreza vivida num bairro brasileiro), os resultados são totalmente diferentes. Pegando noutra citação, “andam comparando muito Cidade de Deus com Uma Onda no Ar mas o Cidade termina ao som de tiros e Uma Onda carrega o som da vitória”. As palavras são outra vez de Misael Avelino dos Santos, ao pretender explicar que o filme tem um carácter mais optimista que Cidade de Deus, mal recebido pelo público retratado, por ser considerado um estereótipo demasiado vincado de uma geração.

Rádio Favela retrata a história de quatro jovens – cada qual com a sua história individual – que vivem num bairro de lata e que se lançam na formação de uma rádio local. Apesar de clandestina, a estação atinge imediatamente o sucesso, o que os leva a denunciar aos microfones as injustiças sociais que se passam na zona onde habitam. As autoridades tomam conhecimento do assunto e entram em acção acabando por perseguir a emissora, a quem os seus criadores chamaram de “a voz livre do morro”.

Uma mistura apaixonante entre factos reais e ficcionados que envolve uma série de universos quase obrigatórios quando se fala do Brasil, como a música ou as injustiças sociais. A rádio surgiu nos anos 80 numa grande favela de Belo Horizonte e, graças à sua programação arrojada e linguagem informal, conquistou uma série de ouvintes, criando uma espécie de culto à sua volta. Era também utilizada como meio de interlocução entre os habitantes do bairro. A rádio ainda hoje subsiste, tendo uma grande implementação não só na sua região como fora dela.

Trata-se de um argumento onde se encontra resistência cultural e política contra o racismo e a exclusão social, em que a população se mune de uma arma quase sempre inacessível: a comunicação. Mas porque se trata de um enredo baseado numa temática musical, importa conhecer a banda-sonora que se pode escutar durante o filme. Desde o rap dos Racionais MC’s até samba, blues, funk ou manifestações próximas da capoeira, vale tudo desde que tenha movimento e alguma conexão com a música negra.

Em Rádio Favela – Uma Onda no Ar, a favela é apenas um pano de fundo, o que distancia o filme da Cidade de Deus. Um cenário ideal para o relato de uma história quase real. Premiado em Miami, Las Palmas ou Paris, o impacto mediático acabou por ser bem diferente da “película” dirigida por Fernando Meirelles. No entanto, não é por isso que tem menor importância enquanto valioso objecto do cinema brasileiro e sul-americano que todos os anos tem surpreendido com um sentido de independência invulgar.



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