SBSR 2014 | Dia #2 (18.7.2014)

SBSR 2014 | Dia #2 (18.7.2014)

A noite pertenceu ao boneco de madeira

Se tivéssemos de apostar num culpado para que a chuva tivesse caído pela primeira vez no Meco – numa edição do Super Bock Super Rock (SBSR) -, o dedo não hesitaria e apontaria convictamente para os Cults, autores de uma autêntica xaropada musical servida à colherada no palco maior.

Se em disco – sobretudo no de estreia – a dupla formada por Brian Oblivion e Madeline Follin conseguiu criar uma pop com alguns laivos de elegância, ao vivo o cenário é um pouco diferente, num som que eclode menos requintado e algo monótono onde a voz pouco moldável de Madeleine dificilmente sobe ou desce mais do que dois degraus. Os The Cult teriam feito certamente melhor.

Paulo Furtado, rapaz – ou Senhor – que adoptou o nome artístico de The Legendary Tigerman, mostrou por que razão transpôs há muito a popularidade das fronteiras nacionais, com um rock carregado de blues que traz consigo a poeira do deserto. Poeira que, diga-se, foi tomada de assalto por uma chuva já para lá do adjectivo “miudinha”, e que ajudou a criar um cenário ideal para que este concerto ficasse na retina como um dos momentos mais memoráveis da 20ª edição do SBSR.

Tigerman apresentou um espectáculo que viveu de muitas cambiantes sonoras, ora acompanhado de uma pequena orquestra de cordas ou de um trio de metais, assumindo sozinho o triunvirato da voz-bombo-guitarra eléctrica – fazendo jus à sua fama percussora de one man band – ou fazendo entrar, a conta-gotas, os muitos convidados musicais, para terminar tudo numa grande apoteose com Furtado ajudado pela irreverência e voz de Ana Cláudia e Alex D’Alva Teixeira que, entre coros, movimentos de anca e vocalizações, ajudaram Furtado a calçar as botas que em tempos pertenceram a Lee Hazlewood. Tigerman acabou suspenso na bateria, e muitos juraram ter sido o seu rugido a conseguir parar a chuva.

Não é certo que entre a multidão estivesse o Mestre Gepeto, mas a verdade é que um boneco de madeira foi visto a ganhar vida e o Meco ficou, assim, rendido aos contos de encantar. Com apenas um longa-duração editado o ano passado, Woodkid levou o Meco ao delírio com a sua pop sinfónica e grandiosa, bem acompanhado por uma secção de sopros, uma percussão tresloucada e uma maquinaria que foi construindo escalas sonoras em tempo real, ajudando a tecer pequenas epopeias sonoras.

Num concerto em que Woodkid mostrou sempre uma grande empatia com o público, não faltou a grandiosidade de «Stabat Mater», o sentimentalismo de «I love you», a oferenda de um novo e muito dançável tema com o nome de «Volcano» ou, a fechar em grande, o frenético «Run boy run», com um coro imenso que se estendeu muito para lá do acorde final. A noite estava longe do fim mas o concerto do dia, esse, estava já encontrado.

Depois de muitos avanços e recuos que parecem ter transformado o Palco EDP numa piscina a céu aberto – pelo menos os Sleigh Bells viram interrompida a sua prestação e foram atirados para um after que começaria às três da matina -, Cat Power acabou por receber autorização de Mr. Vedder para tocar primeiro – Vedder não permitiu que decorressem concertos em paralelo durante a sua actuação -, o que acabou por gerar alguns sentimentos contraditórios.

Se por um lado foi bom não ter de deixar de assistir ao miar sensual de Chan Marshall, por outro foi um pouco ultrajante – sobretudo para os que foram ao Meco movidos pelo desejo de assistir ao concerto de uma das mais singulares vozes femininas das últimas duas décadas – presenciar um concerto feito de apenas uma mão cheia de temas – entre eles “«The Greatest», «Cherokee» ou «Metal Heart» -, mas que ainda assim mostrou que Cat Power continua nestes dias a caminhar descalça sobre um arame suspenso a uma eternidade do solo, nunca se sabendo se irá chegar ao outro lado com honras de funâmbulo ou estatelar-se ao comprido provando a terra húmida. Ontem, num dia em que parecia estar a caminho da glória, Cat Power acabou a distribuir flores como uma camponesa de olhos tristes. Merecia mais.

Figura de culto em portugal, Eddie Vedder ofereceu aos fãs e simpatizantes quase duas horas e meia de espectáculo, numa viagem onde, apesar do aspecto solitário, se percorreu uma longa estrada, acompanhando a sua carreira a solo ou nos Pearl Jam e revisitando, igualmente, algumas das suas influências maiores, como são o caso de Neil Young, Beatles ou Bob Dylan. E que, como não poderia deixar de acontecer num concerto do vocalista dos Pearl Jam, contou com muitas mensagens de paz e demonstrações de amor, algumas delas declamadas num português engraçado. “Confio em Portugal” ficou a ecoar nos nossos ouvidos.

Legendary Tigerman, Cat Power e Glen Hansard estiveram entre os convidados que ajudaram a dar colorido ao pano sonoro construído por uma guitarra acústica e um ukelele – a última paixão de Vedder -, e que trouxe ao Meco uma das vozes mais singulares e únicas do universo musical.

Apesar de nos termos ficado por alguns temas furtivos, fica a palavra de apreço para dois dos projectos que passaram pelo Palco da Antena 3 e que merecem ser seguidos de perto: Emicida e Capicua. Hip hop e rap de primeira água.

Fotografia por Graziela Costa: Dia 17 de Julho; Dia 18 de Julho

Recordem aqui o texto do primeiro dia do SBSR 2014



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