Paula Hawkins

“A Hora Azul” de Paula Hawkins

Solidão assassina

Para os apreciadores de thrillers ou policiais, ainda estão muito presentes os ecos do sucesso em relação a A Rapariga do Comboio, livro editado em 2015 e que apresentou a ex-jornalista Paula Hawkins ao mundo dos livros, tornando-se o seu nome sinónimo de bestsellers.

Quase uma década volvida, e com outros dois livros pelo meio, Hawkins regressa aos escaparates com A Hora Azul (Topseller, 2024), uma trama densa e atmosférica repleta de intriga, suspense e morte, e que tem como pano de fundo Eris, uma ilha isolada na Escócia, que tem a particularidade de possuir apenas uma casa, um habitante e um único trajeto que permite de lá entrar e sair. Para complicar ainda mais o acesso, o mesmo só é possível durante 12 horas por dia devido aos caprichos da Natureza.

Mas, apesar de constantemente fustigado pelo vento, frio e um mar poderoso, Eris foi o espaço escolhido pela pintora, e também escultura, Vanessa Chapman, conhecida pela sua genialidade mas também pelo temperamento algo errático e frágil que a tornou vítima da infidelidade de Julian, o seu marido e cujo corpo desapareceu há duas décadas. Após a morte de Vanessa, a ilha foi o lar escolhido por Grace, uma alma solitária, médica, que se tornou amiga pessoal da artista, tendo tomado a decisão de ir morar para um local tão desafiante como forma de preservar a memória e arte de Vanessa, apesar da relação entre as duas mulheres ser completamente disfuncional e doentia, face à dependência de Grace face aos humores (e amores) de Vanessa.

Mas esse jogo entre a amizade de Grace, e a memória e respeito pelo legado artístico de Vanessa, é interrompido quando Becker, um jovem representante da galeria onde está exposto parte do espólio artístico de Chapman, vai visitar Grace. Esse encontro deriva de uma chocante descoberta sobre uma das esculturas de Vanessa, de seu nome Division II, dando início a um carrossel de descobertas macabras e segredos (mal) escondidos que podem pôr em causa a legitimidade do legado artístico de Vanessa, mas também das suas relações com os que lhe eram mais próximos, falemos do seu desaparecido marido, Grace ou dos representantes da galeria Fairburn.

Tal como nos livros anteriores de Hawkins, as primeiras páginas são percorridas a um ritmo mais lento, onde há espaço para uma gradual apresentação dos protagonistas, mas, aos poucos, a ação cresce seja isso resultado dos vários flashbacks (alguns com recurso à passagem de páginas do Diário de Vanessa Chapman) que vão tornando os acontecimentos mais coerentes e semeado pistas para o próprio mistério da trama.

Também interessante é o equilíbrio que a autora constrói para a edificação e consolidação da narrativa entre o trio de protagonistas (Vanessa, Grace e Becker) e os outros personagens, seja Sebastian e Helen (ele amigo de Becker e ex-noivo de Helen; ela, mulher de Becker), a sinistra Emmeline (mãe de Becker e dona da galeria) ou Marguerite, ex-paciente, vitima de maus-tratos do marido e com uma réstia de saúde mental, e protegida de Grace. E mesmo que a participação na trama destes últimos personagens seja mais esporádica, aquilo que dizem, fazem ou confessam faz toda a diferença.

Outra nota importante sobre os personagens deste livro é uma mais ou menos implícita dicotomia entre o homem enquanto ser agressivo, à exceção de Becker e, a espaços, Sebastian, e a mulher como sinónimo de fragilidade e vítima de relações abusivas, muitas vezes tratadas como objetos. Neste último aspeto, Vanessa é o seu expoente, e mesmo a sua genialidade obsessiva não afasta os fantasmas da fragilidade, fúria, submissão e falta de autoestima. Também Grace é a antítese da segurança, sendo dominada pela inveja do amor alheio e a sua mente envenenada pelo desejo de adulação e adoração, mas, que, no fundo, só a torna profundamente mais só triste e “masoquista”, dependendo de afetos, mesmo que não sejam sinceros ou simplesmente imaginados.

Voltando à na narrativa em si, A Hora Azul mescla momentos comoventes com observações retumbantes sobre a natureza humana, o que é uma mais-valia para a leitura. Há também espaço para descrições evocativas que soam vibrantes, como para a sensação de destruição iminente, constante, em que rapidamente somos “sugados” pela história envolvente. Já o enredo atmosférico e psicologicamente agudo e o cenário sombrio e misterioso da ilha em si, conferem-lhe o direito de ser considerada um personagem.

Talvez o momento menos conseguido deste livro seja o final, que, apesar de revelar algumas questões que vamos aos poucos “pressupondo” ou intuindo, soa um pouco inconclusivo, deixando muitas perguntas sem reposta, ficando na dúvida se tal é intencional ou a brecha para uma possível continuação. O que, convenhamos, seria uma boa notícia para os fãs da autora e de bons thrillers.



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