A Horta da Mouraria
A Rua de Baixo jantou no Centro Social do GAIA na Mouraria e conversou com Inês Barros sobre hortas, produção local e ambiente.
Um, dois, três! Começou. Mas já começou há algum tempo. Há demasiado tempo. Há muito tempo já que o ser humano se interroga sobre a sua passagem pelo planeta azul. E desde há quase meio século que a questão se debruça frequentemente sobre a sua continuidade. A continuidade deste mesmo ser tão inventivo e capaz de levar a cabo as mais inconsequentes fantasias para alimentar um ego, tal poço sem fundo, em prol de uma salvação que fará dele carrasco na primeira pessoa.
Pena pesada para este ser. E para todos os que dele dependem. Às vezes por uma questão de misericórdia. Outras porque a sua subsistência depende directamente daqueles que se atravessam no destino da sua cadeia alimentar. Para mim não me é difícil antever esta civilização num futuro cada vez mais próximo. Se o homem depender de ti talvez sejas poupado. Ou talvez ninguém o seja.
Enquanto uns chupam, outros engolem. O GAIA, como tantos outros projectos de sucesso, nasceu no meio académico, mas cedo transpôs as barreiras da teoria. E quis também ele participar. O Grupo de Acção e Intervenção Ambiental conta hoje com 13 anos de participação activa naquele que é o projecto de todos nós. Partilha, reciclagem e integração conjugam-se no tempo e no género por todos os membros desta associação da qual também nós podemos fazer parte.
Pelas palavras de Inês Barros, do Centro Social, “é um projecto que faz sentido numa cidade como Lisboa, num bairro como a Mouraria. Um dos objectivos do centro social é ser um espaço de acolhimento para associações, grupos, indivíduos, seja para divulgar uma acção, exibir um documentário, etc… Estamos abertos a todas as propostas e temos tido muito pedidos nesse sentido”.
No plano da sustentabilidade e do ambiente, diversas são as provações. Alimentação livre de transgénicos e produção local são apenas algumas das suas lutas. Este grupo é activo na organização de eventos pela causa biológica, podendo estes tomar a forma de manifestações públicas, divulgação informativa ou jantares-convívio todas as quintas-feiras, com alimentos produzidos na sua própria horta comunitária.
O Jantar Popular, assim se chama o evento, mostra como é possível preparar uma alimentação saudável e, claro está, biológica, saborosa e proteica, por apenas três euros. Esta refeição tem ainda lugar numa varanda da Mouraria, uma das mais belas vistas sobre o rio e a cidade.
De barriga cheia, a Rua de Baixo partiu então para a conversa com Inês Barros.
Porque é que os alimentos biológicos são tão caros no supermercado?
É uma especulação. Um alimento biológico não tem necessariamente que ser mais caro. Se pensares que muita da nossa alimentação diária atravessa meio mundo para cá chegar, dá para ter uma ideia do preço que deviam ter e que não têm, à custa da exploração de mão-de-obra e transportes. É possivel uma alimentação de altíssima qualidade, local, barata. É completamente deturpado uma peça de fruta que atravessa o mundo para chegar cá ter o mesmo preço da que foi criada aqui ao lado.
Quais são as melhores plantas para dar início a um projecto caseiro de agricultura biológica?
Para iniciar, o melhor são as plantas aromáticas. Coisas simples como a salsa, os coentros ou o tomilho. Tratam-se de plantas que devemos ter frescas e que em pequena quantidade fazem a diferença no prato. Eu vivo na Mouraria, tenho os meus vasos na varanda e fico toda contente quando ponho o meu manjericão na salada. Eu comecei por aqui.
E quando os bichos comem as minhas plantas?
Cal das urtigas. Há um sem número de tratamentos que são feitos a partir das próprias plantas e que são utilizados como tratamentos… É uma espécie de sumo de urtigas que pode ser vaporizado nos vegetais e que os protege de algumas pragas. E continua a ser biológico porque é feito sem químicos.
OK. Mas agora vou de férias e as plantas vão secar!
É aí que entram as redes sociais. É bom conheceres os teus vizinhos, criares relações de confiança e também tratares tu das suas plantas quando são eles a irem para fora. Agora no Verão vou viver um bocado isso. Tenho quatro abacateiros a crescerem na minha varanda e tenho algum receio. Vou falar com alguns vizinhos para regarem as minhas plantas na minha ausência.
Qual é o objectvo do centro aqui na Mouraria?
Temos objectivos a curto e longo-prazo. A longo-prazo queremos construir uma sociedade de consumo mais responsável e uma acção humana sustentada e integrada no seu ambiente. Ou seja, fazer a sociedade pensar que há outras maneiras de viver, mais integradas na natureza e promover essas alternativas, quer em termos de mobilidade, quer em termos de alimentação ou construção.
E a curto-prazo?
A curto temos os jantares todas as quintas-feiras, nos quais mostramos que é possível ter uma alimentação local, livre de transgénicos, biológica, saborosa e barata. Comes aqui mais barato que em 95% dos restaurantes que usam maus alimentos, óleos transgénicos, carnes cheias de químicos, etc. E é incrível ver como as pessoas aderem. Todas as quintas-feiras um objectivo a curto prazo cumpre-se.
Como é a vossa relação com a autarquia?
É de frustração total. Quer com a junta de freguesia, quer com a câmara.
É uma questão burocrática ou ideológica?
É uma questão burocrática. À partida existe uma consonância de interesses. Existe uma partilha de objectivos, como a reabilitação das hortas urbanas, a reabilitação de um bairro histórico, etc. Há um interesse da parte deles, mas depois até à fase de haver uma ajuda real ainda vai muito.
Eles apoiam as hortas urbanas?
Sim. Estão a preparar um plano de hortas urbanas para pôr em prática nos próximos meses.
Como é que as pessoas reagiriam se encontrassem couves e nabos ao descer a Avenida?
Acho que o problema de ver a couve está mais nos autarcas do que no turista ou em nós. Há muitas experiências pelo mundo fora sobre hortas urbanas e nos últimos tempos tem tido um grande boom.
Como se explica a crescente procura do Homem pelos elementos da natureza? Existe uma decepção do ser humano com a sociedade?
Acho que existe um desejo de contactar com a terra muito forte, muito inato. Mesmo pessoas que sempre viveram toda a sua vida na cidade dão de repente por si a querer um pedaço de terra e a querer cultivar e a obter um enorme prazer disso. Se calhar, antes de entrar em teorias de decepção da sociedade, há um desejo profundo de contactar com a terra. Por si.
Transgénicos e bio-combustíveis, luta perdida?
Pelo contrário. Como se viu há pouco tempo, na Alemanha foram proibidos transgénicos. É quase uma questão de saúde pública. Mais cedo ou mais tarde os transgénicos acabarão por ser questionados e mais cedo ou mais tarde acabarão por chegar à conclusão, como já existem grandes pistas nesse sentido, que são perigosos para a saúde humana.
Aceitam voluntários?
Claro. Quantos mais melhor. Bom, na verdade eu estou a dizer que aceitamos voluntários, mas às vezes é difícil gerir as pessoas. Não é só venham e há muita coisa para fazer. Queremos que os voluntários se sintam bem e percebam o que estão a fazer, que se sintam úteis e estejam a fazer uma coisa que lhes interesse. Todas as quintas-feiras, a partir das 4 horas, há sempre muito para fazer para o jantar. E isso qualquer pessoa pode fazer e aparecer.
E resta dizer que quem ajuda na preparação do jantar não paga!
O Centro Social do Gaia na Mouraria fica na Travessa da Nazaré, ao número 21, e para não enganar ninguém, fica efectivamente na Mouraria.
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