“As Ilhas Desertas”
O resultado de uma grande paixão, vontade e muita criatividade
“As Ilhas Desertas” é um documentário de história natural filmado em Cabo Verde. Alexandre Vaz e Madalena Boto, realizadores do filme, contam-nos uma história emocionante sobre as espécies ameaçadas que existem numa ilha inabitada do arquipélago de Cabo Verde. O filme mostra-nos o dia-a-dia destas espécies, os perigos com que se deparam e os esforços de conservação por parte dos cientistas da ONG local, a Biosfera 1.
A Calhandra-do-Raso, uma espécie de ave que está criticamente em perigo de extinção, é o foco principal do filme. Mas outras espécies estão também presentes, como cagarras, tartarugas e até mesmo gatos selvagens que pertencem ao ecosistema daquele arquipélago.
Os gatos foram introduzidos nas ilhas há muito tempo atrás pelo Homem; numa tentativa falhada de habitar aquelas terras inóspitas. Anos depois, as alterações na ilha pela mão do Homem ainda estão presentes e estes gatos selvagens são predadores que ameaçam a Calhandra-do-Raso. O filme aborda a vulnerabilidade da espécie e levanta uma questão ética: deveremos remover os gatos (que não são endémicos) de modo a preservar uma espécie em vias de extinção? Deveremos favorecer uma espécie em detrimento de outra?
Não há respostas simples, é toda uma área cinzenta que é tema de discussão.
O filme alerta ainda para o lixo nos oceanos. Imagens das praias desertas, mas cobertas de lixo trazido pelo mar, são das mais impressionantes do filme.
Às filmagens juntam-se a narração de J.P. Simões e ilustrações de Eva Sanchéz Gómez que nos guiam através desta história de espécies frágeis e perigos eminentes, como se de um filme de suspense se tratasse. Estes animais não são os típicos actores e a câmara para eles não existe, o que mostra o trabalho de realização que um projecto destes envolve. A cada plano, os realizadores têm que permanecer durante muito tempo imóveis e com a câmara em posição de modo a que sejam “esquecidos” pelos animais e a sua presença seja considerada apenas mais um objecto do ambiente que os rodeia. O resultado é delicioso, a composição de cada plano é pensada ao pormenor, as paisagens são lindíssimas. Madalena Boto, formada em Biologia Ambiental Terrestre, mostra uma grande maturidade na realização.
Totalmente financiado por uma campanha de crowdfunding, ainda assim existiram várias dificuldades durante as filmagens devido ao orçamento limitado. O preço das viagens fez com que muito equipamento ficasse para trás, sendo o som a componente do filme mais comprometida. A verdade é que ao ver o filme, o espectador não se apercebe das dificuldades, tal é o engenho à volta da produção. A narração por exemplo, foi uma das maneiras de contornar o problema do som. A banda sonora original composta para o filme atribui a cada espécie representada um tema musical diferente, dando assim uma outra dimensão, quase como uma personalidade aos animais.
“As Ilhas Desertas” esteve presente em vários festivais de cinema dos mais diversos países e arrecadou alguns prémios. O documentário será exibido no próximo dia 4 de Outubro em Vendas Novas, no 3º Encontro “Modos de Ver – Natureza“.
Com força de vontade e muita criatividade é possível fazer filmes em Portugal. Alexandre Vaz e Madalena Boto estão de parabéns pela iniciativa, que seja o primeiro de muitos. O crowdfunding é cada vez mais uma ferramenta impulsionadora de projectos criativos nas mais diversas áreas. Não vale a pena ficar à espera de subsídios do Estado, as pessoas querem ver coisas novas e estão dispostas a contribuir para que isso aconteça, mãos à obra!
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