Pra Leste de Carris #1
Madrid. O mais difícil é começar
Há quem diga que há coisas incontornáveis na vida. Coisas que devemos mesmo fazer, para que não passemos o resto dos dias arrependidos por termos ficado quietos. Para quem gosta de viajar, um inter-rail faz obrigatoriamente parte dessa lista. Foi com isso em mente – e porque ganhei há algum tempo o “bichinho” por conhecer novos sítios – que decidi desafiar um amigo e meter-me num comboio (ou melhor, em vários comboios) por essa Europa fora.
Planear tudo é a parte mais difícil, desde coordenar transportes a escolher destinos ou procurar alojamento. A ideia era invulgar para este tipo de viagem: conhecer os países da Europa Central e de Leste. Mas pelo menos havia uma vantagem, já que o número de destinos possíveis estava reduzido a metade.
Canetas, mapas e guias preencheram as minhas semanas até que – finalmente! – estava tudo mais ou menos em ordem. Um mês, cerca de 15 países, uma mochila às costas e uma série de coisas novas a descobrir.
Uma “visita de médico” a Madrid
A primeira grande viagem começou em território nacional. Enquanto ponderávamos qual seria a melhor cidade para iniciar o inter-rail, deparámo-nos logo com um problema: o passe não é válido no nosso País. Isto é, para sair de Portugal é necessário apanhar um avião ou pagar – com o devido desconto – um bilhete de comboio até Madrid. Assim fizemos, com o objectivo de voar, depois, até à Suíça.
Partimos de noite, para chegar lá de manhãzinha cedo, e a excitação era mais que muita. Achava que não seria capaz de dormir por estar demasiado entusiasmada com tudo o que se estava a passar. É que, vistas bem as coisas, ainda não estava a acreditar que tudo aquilo fosse verdade.
Dormir, dormi. Mas dormi mal, uma vez que depois de apenas duas horas de andamento já não havia posição possível. Até que encontrei uma solução mais ou menos confortável: refastelar-me no assento e pôr as pernas no banco da frente, levantadas. Aaaah, assim, sim. Também não durou muito tempo. O senhor Revisor fez questão de me dar uma palmadinha nos pés, como que a relembrar-me que não estava propriamente em casa.
«Se isto for sempre assim, não vou conseguir dormir nos comboios», pensei. Felizmente, não foi. Acreditem ou não, o trajecto Lisboa-Madrid foi um dos mais desconfortáveis de todo o inter-rail.
Nove horas e muitos músculos doridos depois, estávamos em Madrid. A perspectiva do mês que tinha pela frente começou a tomar forma e, acima de tudo, a tornar-se real. Estar na capital espanhola, ainda que por algumas horas, foi como rever um amigo com quem não estava há muito tempo e sentir que os meses não passaram desde que nos despedimos. Há qualquer coisa de reconfortante em voltar a passear por ruas que já conhecemos e que nos são queridas. Como se soubéssemos que, mesmo não sendo a nossa casa ou pátria, temos ali um reduto de segurança.
É relaxante estar num sítio onde já fomos turistas; aproveitamo-lo de maneira diferente. Podemos absorver melhor a vida da cidade, observar os pormenores e não apenas o panorama geral.
O conforto desvaneceu-se todo no momento de entrar no avião e o receio caiu-nos em cima, como uma chuvada inesperada no pico do Verão. Íamos voar em low cost e não tínhamos pago o extra para enviar a mochila para o porão. E, acreditem, a bagagem estava claramente acima do tamanho que devia ter.
Suores frios. Na fila, de cartão de embarque e identificação na mão, tentámos parecer o mais naturais possível, mas já imaginávamos a nossa conta com menos 50€ (sim, é a quantia que se paga para recambiar a mala para o porão em cima da hora). Em mim, que sou um exemplar humano de pequenas dimensões, a mochila parecia ainda maior e dramatizei logo a situação.
Devíamos ter São Cristóvão, padroeiro dos viajantes, do nosso lado. Nenhum tripulante olhou duas vezes para a carga que trazíamos às costas e levantámos voo com as contas bancárias ilesas.
Durante duas horas – o tempo de chegar a Genebra – pudemos descansar os pés. Só os pés, porque, ao aterrar na Suíça, começámos a ver as nossas vidas a andar para trás: por um triz não dormimos na rua. Mas isso conto-vos noutro dia.
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