Austrália
Let's do it!
Encontro-me no meio do deserto, na única cidade digna desse nome em muitos quilómetros, rodeada de terra e pó vermelhos – Alice Springs. O camping safari de 2 dias pelo deserto australiano tinha sido marcado muitos meses antes, bem longe daqui, sem qualquer referência. Um pouco à sorte, portanto.
À porta do hotel um casal de asiáticos aguardavam, supus, pelo mesmo que eu. Mais tarde descobri serem australianos de Melbourne, de origem vietnamita.
Ao fundo da rua vejo uma velha carrinha puxando um atrelado. Penso se será naquilo que irei fazer a minha viagem pelo deserto. É mesmo. A porta abre-se com algum ruído e sai da carrinha um figurão. Veste calções e camisa beges, peúga branca bem puxada para cima e chapéu bege, num típico estilo de safari britânico.
Parece ser o resultado de um cruzamento entre o David Attenborough e um hobbit. Tem seguramente mais de 50 anos, as rugas e o cabelo branco denunciam-no. Mas a vivacidade parece de um jovem de 20. “Hello there, I’m Neville! Ready to meet the desert?” (“Olá, sou o Neville! Preparados para conhecer o deserto?”) Pega nas malas e atira-as para o velho atrelado. “Let’s do it?”, grita.
A carrinha arranca com alguns solavancos, mas a bom ritmo. Saídos de Alice Springs, a estrada parece interminável. Não se vê monte ou árvore, nenhum sinal de vida. É uma paisagem desoladora. Talvez para contrariar isso, o Neville fala com entusiasmo. Conta-nos que é neo-zelandês e que veio para o deserto australiano há apenas cinco anos. Do frio das montanhas para o calor do deserto!, diz-nos. Penso o que teria levado aquele homem a mudar de vida. Mas ainda bem que o fez, nasceu para isto. Além de guia da viagem, o Neville é também motorista… e um contador de estórias. Acompanhadas sempre de uma gargalhada.
Chegamos a Ayers Rock. Uluru, para os aborígenes. O Neville, respeitador da tradição local, explica-nos que o enorme monolito é um local sagrado para os aborígenes e que, por isso, eles pedem que os visitantes não o escalem. Uma placa no local honra o seu desejo e explica a história e a importância do Uluru para este
povo. As dezenas de turistas que, como formigas, fazem carreiro no monte demonstram que o desejo é ignorado.
Não subo. Não por respeito pela tradição aborígene, mas porque os 340 metros de altura me intimidam demasiado. O Neville também não sobe, diz que já o fez tantas vezes que já não tem graça nenhuma. E sugere-me que ande à volta do monolito. É um passeio tranquilo, diz, e muitas pessoas o fazem, não tem perigo nenhum. A caminhada dura praticamente duas horas em passo apressado pelos barulhos desconhecidos entre os arbustos. Penso para comigo que prefiro que o desconhecido permaneça desconhecido.
De novo juntos, o Neville diz-nos que nos quer levar a ver o pôr-do-sol, mas que temos de ir já para evitar as enchentes. O pôr-do-sol é estranho, muito rápido. Habituada ao pôr-do-sol em Portugal, que rasga o céu em mil cores durante mais de uma hora, acho este uma desilusão. Penso para comigo de onde virão as
enchentes, não se vê vivalma. Momentos depois descubro. Enormes autocarros de cinquenta lugares chegam às dezenas… tempo de fugir.
O acampamento está já montado quando chegamos. Tendas estilo militar, com duas camas de campanha individuais em cada tenda. E uma enorme tenda que faz as vezes de cozinha, onde todos nos juntamos para um jantar de convívio e conversa.
O Neville demonstra que, além de tudo o resto, é também cozinheiro. Uma viagem one-man show. À mesa, franceses, um casal da Nova Caledónia, australianos, japonesas, suíços e alemães partilham comida e bebida. E conversa, claro. Como boa portuguesa, tento conversar com todos, dialogando em inglês, arranhando o francês e até lembrando algumas palavras de alemão.
A noite é escura e silenciosa. Os únicos sons são os da natureza. O rastejar de um lagarto, o cantar de uma ave nocturna. As emoções e o cansaço do dia fecham os meus olhos obrigando-me a descansar. Enquanto adormeço penso na sorte que tive em ter escolhido o único camping safari familiar. Sem o Neville isto não era a mesma coisa.
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