Jenny Hval | “Blood Bitch” em Lisboa
No primeiro episódio da série GIRLS, a personagem principal, Hannah Horvath, atreve-se a dizer (aos seus pais, claro) que talvez, se calhar, até pode ser a voz de uma geração. Pequeno spoiler: ao fim de quase 6 temporadas (estamos a um episódio do fim) ainda não conseguiu. No entanto, e ao contrário do que este primeiro parágrafo pode sugerir, esta história não é sobre Hannah e as suas amigas, é sobre Jenny. Porque Jenny Hval, que podia ela própria ser uma personagem desta série, é justamente aquilo que Hannah pretende ser: a voz de uma geração.
Jenny Hval é uma miúda norueguesa, assumidamente femininista, que se apresenta como cantora de um pop-folk (folk-pop?) enriquecido com aqueles toques electrónicos dark tipicamente escandinavos (Olá Robyn! Tove Lo!). Mas isto é só a superfície. O “número” de Jenny é bastante mais elástico, com uma forte componente performativa e uma atenção aos temas e letra acima do comum.
Álbum após álbum, Jenny explora a (sua) condição de mulher, sexualidade ou as políticas do mundo em que vivemos. Cada trabalho aborda mais especificamente um tema, mas não deixa de mostrar como tudo está interligado e não podemos falar do que é ser uma pessoa em 2017, 2016, 2016… sem enumerarmos as suas condicionantes, os seus sonhos e aspirações, as suas dores.
Jenny é herdeira de vozes atmosféricas como Kate Bush, PJ Harvey ou Björk e recupera as suas sonoridades e experimentalismos para um público de 2017. No fundo, Jenny Hval faz uma crónica do que é ser jovem e mulher nestes tempos, como outras artistas fizeram antes, mas o que é fresco em Jenny é o conteúdo da sua análise. Jenny é uma analista de olho bem treinado, com a língua afiada na faculdade de literatura e que põe a escrita em primeiro plano. Jenny é também millenial (sorry, but it’s true), com todo o oversharing que isso pressupõe. Graças a Deus.
Talvez por isso Jenny faça tanto sentido no universo GIRLS. Não é difícil imaginar Miss Hval como membro do #squad de Lena Dunham, a criadora de GIRLS. Ambas batem-se pelos mesmos problemas, questionam as mesmas realidades e falam bem alto sobre temas frequentemente considerados (por quem?) incómodos. Neste último trabalho, “Blood Bitch”, que vai aterrar em breve em Lisboa, Jenny fala de um tema caro a Dunham: o corpo da mulher e a sua naturalidade. Fala de sangue, do sangue das mulheres, e adiciona-lhe todo o folclore em torno da palavra: vampiros, morte e terror, mas também vida. Um toque de humor num contributo bem sério. A sonoridade, de novo em colaboração com Lasse Marhaug, não é assustadora e os temas também não deviam ser.
Álbuns como este são peças de arte que ao contar a história das mulheres, das suas emoções e dos seus corpos não deixam que a narrativa da humanidade tenha apenas um ponto de vista. A arte é muitas vezes feita do olhar dos homens sobre as mulheres, mas para termos o retrato completo é preciso também dar voz às próprias mulheres. E quando o fazemos, descobrimos que homens, mulheres e todos entre os dois, somos mais parecidos do que pensamos. É reconhecer isso que significa ser femininista. A verdade é que todos amamos, todos sofremos, todos temos de crescer. E é por isso que Jenny Hval é a voz de uma geração. Hannah, toma notas.
O concerto de Jenny Hval terá lugar no Lux dia 30 de Abril, inserido no BoCA – Bienal de Arte Contemporânea, que decorre entre 17 de MArço e 30 de Abril em Lisboa e no POrto. Os bilhetes estão à venda nos locais habituais e custam 15€.
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