“Nexus” de Yuval Noah Harari
Das malhas do passado às redes (informativas) do futuro
Quando, em 2020, o israelita Yuval Noah Harari, historiador, investigador e professor de História do Mundo na Universidade Hebraica de Jerusalém, publicou o livro Sapiens – História Breve da Humanidade, poucos, dos afortunados e corajosos que ousaram lê-lo, ficaram indiferentes ao muito que se aprendia no que toca ao impacto do ser humano no planeta.
Depois disso, as expectativas sobre o que Harari pensava, e fundamentalmente partilhava através da escrita, subiram exponencialmente. Foi considerado por muitos como “a” referência no que toca à análise da história da Humanidade, seja na perspetiva do passado como tendo o futuro em mira.
É também nessa dinâmica em forma de viagem no tempo que assenta Nexus (Elsinore, 2024), cuja premissa é edificar uma Breve história das Redes de Informação da Idade da Pedra à Inteligência Artificial, por via de uma narrativa que alterna momentos fascinantes com outros mais mornos.
O ponto de partida para esta aventura de mais de 500 páginas centra-se em algum pessimismo, com referência à catástrofe ecológica que ameaça o planeta e ao marasmo que é neste momento a geopolítica. A isso acresce o facto de a desinformação invadir jornais, revistas, televisões e, claro, os ecrãs, tornando-nos vulneráveis ao que é, de facto notícia, sem aspas, mas pensamos que estamos, ingenuamente, a ser bem informados. Ou seja, a tendência é acreditar que quanto mais livre e abundante for a informação, mais próximos estaremos da verdade e da utopia, o que pode ser um erro crasso.
Harari reflete sobre essa temática, fazendo um contraste entre um entendimento “ingénuo” e um mais “populista” da informação – o termo correto deveria ser “instrumentalista”. Mas, no fundo, conclui-se, para um populista, a informação é um meio para atingir um fim e, infelizmente, a informação passa a ser subserviente à agenda do poder. Por outro lado, os detentores do poder devem então controlar a informação e criar as suas próprias realidades. Medo!
Apesar dessa reflexão, com base no contraste destes dois modelos de epistemologia pública, o autor hesita em definir formalmente o que é de facto a informação, optando por afirmar que «é tudo o que liga uma rede», argumentando que o objetivo das redes de informação «é descobrir a verdade e criar ordem». A dúvida fica no ar, mas está dado o pontapé de saída de um dilema inquietante e que, de alguma forma, prepara o leitor para o que segue, no caso, uma narrativa dividida em três partes: Redes Humanas, A Rede Inorgânica e Uma Política dos Computadores.
Sem querer ser muito exaustivo na descrição desses três polos de leitura, podemos partilhar que, na primeira parte, Harari aborda a história das redes de informação humanas num âmbito alargado, centrando-se nas duas principais forças para a construção de redes de informação em grande escala: a mitologia e a burocracia. A primeira, inspira à cooperação e construção coletiva; a segunda coordena a manutenção formal da rede, estabelecendo regras próprias.
Curiosamente, o autor acredita que ambas incorrem em penalizações da verdade a bem da ordem (olá, Platão…), pelo que não é claro como se chega exatamente à verdade ou como sabemos que ela existe, ainda que Harari referia os «mecanismos de autocorreção», incorporados nas redes de informação, como forma de trazer dividendos positivos, seja, por exemplo, «uma governação eficaz e justa».

Em A Rede Inorgânica, o leitor é convidado a entrar no mundo das «emergentes redes de informação» que não são inteiramente compostas por agentes humanos (a Internet é um exemplo) e aquelas que não têm quaisquer agentes humanos. Entramos assim no território da Inteligência Artificial que Harari começa por “embelezar”, mas que, mesmo assim, não passa uma ideia de tranquilidade sobre este tema tão controverso.
Pelo caminho, há também espaço para muitas das habituais queixas sobre os problemas com a arquitetura e os incentivos dos meios de comunicação social e os modelos de negócio modernos em tecnologia.
Na derradeira parte, exploram-se as diferentes estratégias que os humanos poderiam utilizar para gerir as redes inorgânicas. Trata-se, sobretudo, de uma “suave polémica” sobre a necessidade de os seres humanos se erguerem para controlar a tecnologia e atingir os fins que pretendem. O grande problema deste tipo de argumentação é que todos temos diferentes objetivos, e, muitas vezes, alguns, motivados pela soberba, acabam por decidir como uma tecnologia é desenvolvida e implementada, o que provavelmente terá efeitos impactantes para todos. Fica no ar a ideia de que estaremos melhor quando houver mais “concorrência” e abertura para a reflexão no seio do grupo das pessoas e instituições que dominam essa área, e que Harari explorou o tema “pela rama”. Espera-se que o faça com mais profundidade num próximo livro.
Em género de remate, Nexus é (mais) um bom livro de Yuval Noah Harari (especialmente graças à sua qualidade de ser um bom contador de histórias…), é certo que com temas mais aprofundados do que outros, mas que, à semelhança de toda a obra literário do autor, abre caminhos para o entendimento e discussão de temas essenciais para o presente e futuro da Humanidade, com é a Informação, com caixa altíssima, particularmente numa altura em que as redes sociais podem facilmente distorcer a realidade e inventar “mundos” alternativos em favor de ideias mais extremadas, não importa a cor ou o polo político.
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