O Meu Vizinho é Judeu
“As dores da civilização no Estoril”
As dores de uma civilização podem ser vividas por actores no palco e o caso acontece também no Auditório do Casino Estoril nas vozes e gestos de Miguel Guilherme e Bruno Nogueira, na peça “O Meu Vizinho é Judeu” de Jean-Claude Grumberg, em cena desde 25 de Novembro.
Mais do que abordar o antissemitismo, a peça vai mais fundo e coloca em cena o que cada um de nós sente perante a presença do Outro que pode ser diferente e normalmente é, quando se trata de vizinhos, porque sempre assim foi desde o início dos tempos. Um homem pouco esclarecido e raramente seguro de si, encarnado numa previsível interpretação de Bruno Nogueira, pode dar origem aos maiores equívocos sobre o que afinal andamos aqui a fazer e esse é o grande mérito da peça: Questionar quem somos, porque somos como somos e para onde andamos depois de vir de onde viemos. É tudo aflorado, desde a mulher dominadora que coloca o homem pouco seguro de si a deambular entre a paixão e a dúvida sobre a cultura judaica e a aproximação progressiva entre dois vizinhos que partem da cisão própria dos halls dos prédios das cidades contemporâneas. A diferença, afinal, parece ser determinante na separação das pessoas que vivem tão perto, só porque partilham o mesmo espaço mas cujos universos colidem num chorrilho de questões e informações fragmentárias ajudadas pela internet e pelas ideias veiculadas pelos Media relativas aos valores que cada um veste numa sociedade cada vez mais camaleónica e dissimulada.
O não entendimento do que é a religião sustenta-se a si próprio numa sociedade em que a diferença é cada vez mais factor de ansiedade e medo. E o desencontro entre os dois vizinhos e concidadãos permanece até ao fim da peça. A aproximação virtual e falhada a uma nesga de religiosidade no homem curioso e a manutenção por parte do homem de origem judaica da atitude conhece-te a ti próprio para o vizinho dá equilíbrio à pretensão da peça. O dito “Judeu” encarnado por um Miguel Guilherme rigoroso, que se afirma, afinal, ateu mantém-se numa atitude de ironia quase socrática durante o desenrolar dos diálogos e tudo isto desemboca numa espécie de comédia dorida em que as tentativas de aproximação são virtuais e frias como afinal se vive nos dias de hoje.
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