4ª Mostra de Cinema de Hong Kong
Um cinema que vai desde o alternativo ao mainstream
Um novo ano que começa em grande para quem gosta de cinema à séria, especialmente do cinema oriental. Pelo 4º ano consecutivo, a Mostra de Cinema de Hong Kong invadiu Lisboa durante cinco dias e foi organizada pela Associação Cultural Zero em Comportamento. O spot escolhido para receber as oito sessões foi o Cinema City de Alvalade.
O dia de abertura contou com uma sala ao rubro, como vem sendo comum nos festivais de cinema. O filme escolhido para abrir esta mostra foi o drama “A Simple Life” da realizadora Ann Hui. A velhice e as suas limitações são aqui retratadas com dureza, ao ponto de despoletar lágrimas a quem na sua vida tem pessoas antigas associadas. Mas nem tudo aqui é um melodrama e Ann Hui soube dar-lhe um toque de ternura doseado com algum humor. Recorda-nos que o tempo não pára, que a vida é curta e que quase todos caminhamos, a passos longos, para uma velhice anunciada. Como e com quem daremos esses passos é algo que exige de nós alguma introspecção. Inspirado numa história verídica, exprime com simplicidade a realidade da vida quotidiana, deixando-nos com um sentimento especial de afecto pelos protagonistas, afecto este que é embalado esporadicamente pelo som de um piano. Chung Chun Tao dedicou 60 anos ao serviço duma família, a última década a Roger, que trabalha na indústria do cinema, e é o único membro da família que ainda reside em Hong Kong. Quando Chung Chun Tao fica doente, Roger, um homem íntegro, dedica-se a ela de uma forma cúmplice e exemplar.
Vencedor de quatro prémios no 68º Venice Film Festival, como outros tantos em diversos festivais, este é um filme comovente que merece a atenção do público em geral.
Esta mostra foi ideal para quem teve pouco contacto estabelecer uma ligação inicial com o cinema do Leste Asiático. Foi uma mostra variada, baseada em muitas histórias verídicas, onde o drama prevaleceu, claramente, ao longo dos cinco dias. Exemplo disso são também o “Love Lifting” de Herman Yau Lai-To, “The Great Magician” de Derek Yee e “Floating City” de Yim Ho.
No segundo dia a acção de Hong Kong impôs-se com “Overheard 2” de Alan Mak e Felix Chong. O típico thriller de acção, com nítidas influências de Hollywood, perseguições furiosas, pancadaria ocidental, tiros e murros, mas ao mesmo tempo dotado da verdadeira essência chinesa que nos cativa pela trans-culturalidade que transmite e de que tantas vezes temos sede.
Também é de salientar que o filme tem o seu importante lado sensível. Como no filme anterior, surge uma velhinha, mas desta vez sofre da doença de alzheimer e só se regala enquanto vê o filme “Samurai”. A dignidade humana é exposta; a ambição, a traição e o amor são sentimentos chave neste argumento. A bolsa e os corretores de bolsa são a temática central. Ver um filme assim dá-nos a falsa sensação de que estamos a aprender a negociar na bolsa, deixa-nos com o bichinho, e até nos leva a sonhar com milhões e milhões de dólares. Ainda dentro das sequelas está o “Detective 2” de Oxide Pang. Este detective é tonto, digamos que desprevenido, acabando por deixar o espectador nervoso. O assassino, que deixa o detective louco, é um jovem. Este em criança vivia com a irmã, ambos órfãos, até que a sua irmã querida lhe revela que ela é que é a verdadeira mãe. Este miúdo desenvolve uma revolta interior tão grande, durante a adolescência, que acabou por desencadear sucessivos assassínios. O espectador pode contar com genitais e línguas cortados, mas não chega a provocar aquele nojo esperado. Surge a questão, porquê a escolha de duas sequelas? Está claro que o público maioritário não assistiu aos originais, mas não há problema, pois as narrativas não parecem ter ligação aos anteriores.
“White Vengeance”, de Daniel Lee, foi o grande épico escolhido para exibição. Um filme de guerra, que quem lá vai dá e leva, com espada ou sem ela. É o retrato de um momento histórico da China que se tornou de visionamento cansativo. Para quem pouco sabe sobre história chinesa e a queda da Dinastia Qin são mais de 2 horas bastante duras, embora a fotografia esteja bem sacada e nos deslumbre, os cenários sejam grandiosos e os movimentos destes guerreiros em tudo se assemelhem a grandes bandos coordenados de pássaros, leais, traidores e ambiciosos.
“The Cure”, de Bill Yip, fez as honras do encerramento. Filmado na Tailândia, uns comprimidos mágicos são os protagonistas, junto a dois intrujões que os tentam vender a pessoas totós e inocentes. No início do filme surgem três preservativos cheios de esperma, símbolo dos efeitos bombásticos dos tais comprimidos; uma morte, um travesti e uma viagem espiritual também dão enfase a esta produção. O argumento é leve e de pouca profundidade, os cenários são interessantes, preenchidos por objectos de categoria kitsch, vulgares, baratos e de mau gosto chinês. As cores electrizantes fundem-se e repetem-se no ecrã, dignos de uma produção independente do oriente.
Por estes dias pouco de Kung fu e espadas se viu, nem de Bruce Lee, nem de Jackie Chan se ouviu falar. Um cinema que vai desde o alternativo ao mainstream, para ser levado a sério pelo grande público e pelos críticos ocidentais.
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