Richard Russo | “Um Verão Mágico em Cape Cod”
Os genes são uma coisa tramada
Para aqueles que julgam o livro pela capa, “Um Verão Mágico em Cape Cod” parecer-se-á com o companheiro perfeito para levar de férias e ter por companhia debaixo do chapéu enquanto o sol faz cócegas nos pés. Não é que este pensamento visual esteja assim tão longe da verdade, mas o romance de Richard Russo está a milhas de ser um simples fait-divers ou puro entretenimento. Num misto de comédia (das grandes) e muita introspecção, tira-se um retrato a preto-e-branco das dinâmicas familiares que vão da primeira infância à ultrapassagem da meia-idade.
Jack Griffin, personagem central da história, é casado com Joy, com quem tem uma filha já em idade adulta chamada Laura (o seu casamento corresponde à segunda metade da história). Cape Cod é o lugar mágico que atravessa toda a narrativa. É onde Jack e os seus pais passavam um mês de férias, sempre em lugares diferentes – por vontade própria e, caso se pusesse a questão, por decisão unânime de todos os senhorios anteriores, dada a pouca estima mostrada -, depois dos “onze meses por ano passados na merda do Midwest”. E onde, ao consultarem os guias imobiliários em busca de uma casa utópica para o futuro, iam dividindo a oferta em duas listas: “Nem como prenda” e “Fora do orçamento”. Foi também em Cape Cod que Griffin e Joy passaram a lua-de-mel, estabelecendo o Grande Acordo de Truro – o plano de vida conjunta que os dois desenharam e que acabou por se ir cumprindo, mesmo sem significar necessariamente um casamento à prova de bala ou imerso em felicidade.
“Um Verão Mágico em Cape Cod” revela-nos algumas das verdades irrefutáveis da vida: o facto de, todos nós, trazermos os pais gravados no código genético, na consciência e na imaginação, como fantasmas que para sempre lá vão permanecer. A questão, essa, é se conseguimos transformá-los em fantasmas felizes ou se, o que ficará, será apenas uma triste e mal resolvida assombração. Uma boa surpresa.
Uma edição Porto Editora
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