HIDEOUT Festival 2012

HIDEOUT Festival 2012

A Santíssima Trindade

Hoje sabemos que o Verão está aí quando a música assim o diz no calendário, quando vai direitinha à nossa agenda, oficializando as férias ansiadas. A música tornou-se, por isso, uma saudável desculpa para se programarem dias de descanso [relativo, mas muito bem-vindo] se a um escape conseguirmos somar três denominadores:

Boa Oferta + Bom Preço + Grandiosa Banda Sonora de Viagem

Uma conta simples que remete o início do nosso Verão para o exacto fim de Julho, num País cuja história tem a tinta fresca, mas onde a música acompanha as elevadas temperaturas.

A Croácia enciclopédica, prestes a entrar para a União Europeia, tem marcas do tempo muito recentes e que se cruzam a norte com a Eslovénia e Hungria, a nordeste com a Sérvia, a leste com a Bósnia e Herzegovina e ao sul com Montenegro. Faz fronteira marítima com a Itália e, talvez pelos resquícios da guerra recolhida aos anos ’80 e ’90 (que trouxe uma independência recente da ex-Jugoslávia), os croatas lidam bem com o italiano e com o alemão, mas ainda pouco com o inglês. Factor contornável, mas que deverá mudar em breve, ou não se estivesse a tornar um País cosmopolita e apetecível a meio mundo de inglês arremessado na ponta da língua.

O inglês é, aliás, a língua oficial da maioria dos festivais ali realizados. De norte a sul, temos os já reputados Garden Festival, Electric Elephant, Outlook e Soundwave, bem distribuídos pela agenda Primavera/Verão de há vários anos. Só na ilha de Pag são mais de meia-dúzia os eventos por ano que atraem uma larga comunidade brit, catapultada para ali pelos organizadores – também eles britânicos, na sua maioria – que parecem confortáveis com a visão paradisíaca de um País em ascensão, à beira-mar plantado. Soa familiar? Podia ser. Para nós, Pag foi o destino, bem traçado a partir de Zagreb até ao mar.

Seguindo a costa, alimentámos a fome de praia, daquelas que enchem o olho pelo avistamento de ilhas diversas, entre o fértil e o inóspito lunar, que tão bem caracterizam aqueles satélites de pedra e água salgada. E chegar a Pag exige preparação: exige comer bem pelo caminho, provar o melhor queijo do País, observar as paisagens e as gentes, os peixes, os seixos e as diferentes tonalidades no mar, tudo antes que os pormenores de desvaneçam com a chegada ao destino – o Hideout Festival.

Pag > Novaljia > Zrce Beach. Um percurso de três passos para chegar ao segundo ano de um festival esgotado quatro meses antes do seu acontecimento, revelando a importância de outra santíssima trindade, ou 3 L’s: Lineup + Location + Lovely people. Quanto aos dois primeiros, cá por nós, não haja dúvidas de que estamos a falar de um festival que abraçou durante quase seis dias o melhor da música electrónica – entre as welcome parties e as boat parties iniciáticas -, num dos locais mais deliciosos do continente. Mas o público não fez maravilhas, ou não nos soubesse a Albufeira (às vezes a Lloret del Mar), pela enchente descontrolada de jovens universitários ingleses… suportável apenas se bebermos tanto quanto eles. E teve de ser.

Papaya, Aquarius e Kalypso, espaços enormes com receita diferente para cada um dos dias oficiais de cartaz: à beira da praia de Zrce encontrámos estes três “major clubs” prontos a albergar milhares de pessoas em regime open air e dance floor, desde o começo da tarde ao raiar da manhã (nota: o Aquarius, de tão grande, apresentou um line up para Aquarius 1 e Aquarius 2 – open air vs inner club, diversificando a oferta como que oferecendo um quarto local de evento). Iniciámo-nos então com as sunset parties: clubs cheios durante a tarde, com piscinas a abarrotar de gente empolgada e onde as tendências de moda faziam saltar à vista biquínis e calções, muita pele, palhinhas e sorrisos soltos. Foi o mote bem aceite para cada uma das noites, musicadas como se queria. House, techno, bass, dubstep, dnb, new disco: música electrónica num bolo só, com respeito e comunhão louváveis num só evento, a pautar três dias de rotina e exercício.

Sexta-feira brindou-nos com um B2B de Four Tet e Caribou – separadamente bons, combinadamente óptimos. Um set seguido por Prins Thomas, Aeroplane e Erol Alkan, nomes já encartados nas programações do Lux, mas que ganham outra dimensão no sítio ideal, à temperatura certa. Benga, Subfocus e Chase & Status foi o trio de ataque para iniciar as hostes dubstep e drum’n’bass, bastante circunscritas no espaço e intensas no público. São os Soul Clap que merecem uma vénia por terem trazido o inesperado, o factor surpresa vindo directamente de Boston: “house wears many hats”, uma afirmação dos produtores que elevaram a fasquia e fugiram aos cânones da tech-house para deixar o público extasiado até às 7h – com uma hora de oferta por conta dos senhores.

Sábado fomos da piscina ao mergulho na praia, conduzidos desde Jamie Jones a Scuba. Jamie Jones acalentou o pôr-do-sol em Zrce beach, emparelhado com Robert James, como prequela para o seu set nocturno. Novamente Jones, precedido por Maya Jane Coles, tomou conta do club Papapya até chegada de Loco Dice, contagiando uma enchente de gente para quem – não correndo uma aragem – a dança soube a refresco. E se noutros palcos rodavam os hold schoolers do d’n’b Shy Fx e Andy C, os remates vão aplaudidos para os new comers da bass scene Julio Bashmore e Scuba cujas presenças estão garantidas em Portugal para o mês que vem, no Neopop Festival. Só por isso, havemos de ir a Viana… repetir a dose.

Domingo, já as baterias escasseavam, mas valeu a pena resistir para encontrar Seth Troxler, que passou da tarde para a noite de forma revigorante, entre o house e o disco, deixando a pista bem entregue a Damian Lazarus e Ricardo Villalobos – diga-se que este último fez muito melhor figura do que nas suas últimas aparições por terras lusas, face a um cartaz que assim o exigiu. O bom techno de Ben Klock, Simian Mobile Disco e o muito desejado SBTRKT (em formato DJ set) marcaram outras alas de dança contagiante, deixando para o público britânico mais jovem o inflacionado Skrillex, que ainda tem algum terreno por explorar – ou desconstruções para fazer.

Digerir o festival não implica apenas um somatório de noites e tardes. Há algo que não se pode exprimir e que vem do lado mais enriquecedor que um evento pode suscitar: um todo, uma experiência. Esta viveu muito de contexto, que não o nosso, de um “fora da caixa” a olhar para o mar, numa ilha que pede por muitas outras que não falaremos aqui, mas que fazem parte do motivo pelo qual este festival se torna tão apetecível. Lineup, Location, Lovely People: sim, e quanto ao terceiro factor, descansem que a Croácia tem boa oferta, que não a estrangeira, felizmente. Um povo bonito, em franco crescimento e estabilização – não vá a UE contrariar este caminho.

Por todos estes componentes, valeu a pena a viagem e esperamos regressar para ver mais, sobre a benção desta ou outra santíssima trindade qualquer que balance e reconforte, como só a música o sabe fazer.

Fotografia por Gil Correia e Mara Barros. Galeria fotográfica aqui.



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