Rossana | Entrevista
Uma conversa com Rossana sob um céu azulado e um sol radiante.
Rossana acaba de lançar “À La Portugaise”, o seu mais recente álbum. Oito músicas que apelam e impelem à escuta imediata e ininterrupta.
Um disco praticamente todo ele em português, que nos sobressalta tão positivamente como se estivéssemos no cimo de uma montanha a observar as nuvens mais bonitas. É feito de melodias muito apaixonadas, como se cada uma delas fosse o fôlego que nos sustenta.
Rossana quer ir por aí fora, cativando gentes e mundos. E, nós, se pudermos, vamos com ela. Afinal, cativados já estamos.
Boas escutas!
Rua de Baixo (RDB): Quem é esta Rossana de “À La Portugaise”? Nestes cinco anos de Rossana, como tem sido a evolução como artista?
Rossana (R): É muito evidente, desde logo, a nível musical, a diferença deste álbum comparando o mesmo com o “The Entertainer”, que foi o primeiro. O “The Entertainer”, apesar de ser o álbum da apresentação da minha visão de eu mesma enquanto artista, é muito mais baseado na própria escrita, no songwriting. Mantém-se a visão de poder, durante uma hora que seja, pôr toda a gente a pensar noutra coisa, abstraindo-se neste meu universo. Portanto, essa parte mantém-se linear. Porém, o “The Entertainer” era muito focado em mim, seja isso na minha pessoa, no que eu sinto, nas histórias que ouvi, nas histórias que me contaram… há aí muitos pronomes, há aí muito eu, me, a mim… De facto, com esse álbum arranjei aquela marioneta quase como escape a usar constantemente a minha cara, até porque, e nomeadamente com as redes sociais hoje em dia, fica muito cansativo para as pessoas, acho eu, estarem constantemente só a ver cara, cara, cara, corpo, cara. Com o “À La Portugaise” eu queria mesmo que as pessoas se focassem na música e no que é que podia advir para além disso. Por isso é que a imagem também mudou completamente. Não vejo tanto a minha cara neste álbum. É tudo muito mais à base de cores fortes, imagens que falem a alguém. E mesmo a capa do álbum foi desenhada para veres o álbum ao longe e pensares “Uau, isto é uma boa energia que está aqui”. E essa é a diferença principal. O “The Entertainer” era mais focado no meu avanço enquanto artista e quem sou eu e quem é esta pessoa de Rossana. Este, já é uma evolução de “agora vamos falar de música” e é isso que vai importar daqui para a frente. E ao longo da evolução, ao longo de cinco anos de Rossana, foi um bocado o culminar de muitas, muitas coisas que eu ouvi, muitas influências diferentes que resultaram nisto. E a sorte que eu tenho de poder viver em Londres e poder experienciar a multiculturalidade que lá há.
RDB: Quais têm sido as tuas influências artísticas?
R: Neste álbum, tenho estado mais interessada nas influências de ritmos do deserto norte africano, na música psicadélica que também está a acontecer na actualidade na Turquia; mas a maior parte das influências foram efectivamente coisas dos anos 70/80, algumas coisas também tiradas de muita música da América do Sul… Depois, como é um álbum em português, tentei responder um bocadinho mais à maneira como eu sou e à maneira como eu falo e sou muito despachada, falo rápido, sou um bocadinho bruta e tentei que isso também pudesse estar presente no álbum e pudesse ser algo com que as pessoas também se relacionam. Estou focada, principalmente, em influências globais e na forma como a música portuguesa se pode relacionar com as mesmas. Por exemplo, quando eu ouço música coral ucraniana (completamente diferente, são culturas completamente diferentes), há pequenas coisas seja a utilização das vozes e a maneira como as harmonias estão feitas que de vez em quando eu penso “acho que já ouvi isto, acho que já trabalhei isto em coros quando era mais nova”. E acho que em Portugal também não podemos negar a influência moura que temos. Depois a música clássica asiática – toda a secção rítmica e a constituição de escalas e de melodias que vem desses países, são coisas tão complexas e tão fora da caixa… e eu sinto que, enquanto artista, o meu caminho é por aqui.
RDB: Fala-me de uma canção deste “À La Portugaise”!
R: Vou falar da «Aí P’ra Sul» porque, na verdade, esta canção já foi escrita há três anos e, sem eu me aperceber, a mesma foi o começo disto tudo. E eu nunca me tinha apercebido disso até há bem pouco tempo. E esse tempo de escrita coincidiu com o tempo em que comecei a ouvir muito mais o Elias Rahbani, um pianista do Líbano que já morreu e que é o meu pianista preferido. E eu ouvia as coisas dele e acho que, inconscientemente, lhe quis fazer uma “homenagem” por gostar tanto da sua sonoridade. Então, a «Aí P’ra Sul» começou por ser uma peça solo, mas depois apresentei-a à banda e pensámos “vamos fazer um arranjo” – fomos adicionando pequenos elementos, pequenas secções diferentes, até se tornar este universo quente. Esta música, apesar de não ter voz, reflete um bocado da minha pessoa artística porque, acima de tudo, eu sou instrumentista. Não obstante, a “À La Portugaise” ter dado o nome ao álbum por ter sido a música definitiva que deu a viragem da qual gostámos tanto e dissemos “então é por aqui”… a «Aí P’ra Sul» foi o começo desta sonoridade um pouco mais portuguesa ou árabe influenciada por outras coisas também.
RDB: O que foi mais desafiante no processo de criação e construção e lançamento deste “À La Portugaise”? E, por outro lado, o que foi mais gratificante?
R: Acho que o mais desafiante é mesmo a questão de elevar uma fasquia à qual eu acredito que vamos continuar a corresponder; mas, efectivamente, o que acontece é que com o The Entertainer eu sabia que tinha todo o espaço do mundo para crescer… com este álbum eu sei que tenho de continuar com muito trabalho e com muita consistência… e a verdade é que o tempo criativo também tem vindo a ser menor, o que significa que agora estou focada em tocar estas músicas. Portanto, a parte mais desafiante é, efectivamente, continuar a manter o nível e esta sonoridade, percebendo como é que conseguimos fazer mais e mais. Por outro lado, o mais gratificante foi mesmo a produção do álbum em si fomos para França em Fevereiro, duas semanas para um estúdio em que não tínhamos mais nada para fazer senão música. Eu acredito que as coisas vêm com muito trabalho e, ali, naquelas duas semanas, estava tudo preparado para que isso acontecesse. Foi maravilhoso. Somos efectivamente uma banda e, além disso, somos mesmo muito amigos. Então, poder conciliar este processo de criação com amigos que são pessoas extremamente profissionais e ao mesmo tempo carinhosas, foi muito gratificante. Saímos todos deste processo com uma bagagem muito maior, quer em termos de trabalho, quer emocional, e isso foi sem dúvida a melhor parte.
RDB: Expectativas com este novo álbum?
R: Isto é bom e mau porque tenho muitas. Efectivamente, eu sei que a única coisa que faz as coisas acontecerem é o trabalho portanto a expectativa é dar continuidade a isso. E acho que a regra que eu sigo é, seja na música seja na minha vida pessoal, se eu insistir e fizer alguma coisa durante tempo suficiente, dando a minha energia para isso, em algum momento, alguma coisa tem de voltar. Por isso, a minha expectativa é também poder levar este álbum ao máximo de sítios possíveis e, felizmente, já surgiram algumas propostas. Quero ir a lugares onde ninguém está à espera de ouvir o que é que aí vem… em Portugal, no Reino Unido, na Europa…estejamos a tocar para 70 pessoas ou 3 pessoas, o trabalho e a atitude em palco têm de ser sempre iguais… Com este álbum, tenho expectativa de não só subir um bocadinho em Portugal, mas também de dar a conhecer a mais pessoas este nosso trabalho – e eu tenho muita confiança neste álbum e na equipa. Também espero que a música se expanda um bocadinho mais no Reino Unido e que também chegue a alguns sítios da Europa… depois disso, lá vamos para outros continentes, lá vamos tentar a América do Sul, nomeadamente o Brasil, mas isso são coisas para o futuro…
RDB: O que seria um dia extraordinário para ti?
R: Acho que assim um dia espectacular para mim seria fazer uns arranjos para um quarteto de cordas, ou sopros… porque eu gosto muito de fazer arranjos e então estava aqui a pensar que, num futuro próximo, um dia espectacular seria ter a oportunidade de aceder a várias pessoas que estivessem dispostas a trabalhar nisto comigo e fazer uma versão orquestral de uma ou duas músicas do álbum. Ter acesso a uma quantidade de músicos que estão disponíveis para fazer comigo alguma coisa um bocado diferente e poder dirigi-los acho que seria um dia bom. Se calhar, amanhã, se me perguntares, já será outra coisa.
RDB: Tantas sonoridades diferentes, tantos mundos e imaginários diferentes… como é que tudo isto coabita em ti, enquanto pessoa e artista?
R: Acho que de uma forma relativamente saudável; ou seja, cada coisa que nós fazemos é uma escolha e, portanto, a partir do momento em que eu decidi que ia ser a Inês e que ia ser a Rossana, ambas coabitam. Simplesmente, acho que enquanto Rossana as pessoas conseguem mais facilmente chegar até mim, sendo que a Inês tem algumas características que a Rossana não tem. A verdade é que nestes últimos dois anos comecei a fazer muito mais trabalho não só enquanto Rossana mas também comecei a trabalhar com a nossa própria label que é a BAIT Records. E mesmo que o projecto cresça muito nos próximos anos, não tenho quaisquer intenções de assinar com outra editora, é como se a Rossana e a BAIT vivessem entrelaçadas. Também nestes últimos dois anos pude assumir mais um papel de produtora, do qual gosto muito e nem me apercebia disso; e fazer curadoria de concertos também me agrada imenso; e depois fazer concertos e juntar pessoas é o que eu gosto mesmo. Basicamente, o desafio é conseguir fazer a gestão e perceber o que é que é profissional e o que é que é pessoal e, às vezes, em Londres, é tudo muito exigente fisicamente e se eu fico cansada, depois também fico frustrada e tenho de saber respirar fundo, distinguir as coisas e gerir as expectativas de uma e de outra. Porque a Inês é mais terra-a-terra mas, por enquanto, tem corrido muito bem e nem me imagino a trabalhar de outra forma. Acho que se souber gerir as coisas e souber dividir o tempo e o espaço na cabeça, no fundo o que importa é que no final do dia sou a mesma pessoa.
RDB: Onde te vês daqui a cinco anos?
R: Vejo-me ainda em Londres, gosto muito de lá morar. Sei que tem um prazo de validade, sem dúvida, mas acho que ainda não chegou. Gosto muito de Portugal, mas já não é para mim, tenho muita coisa cá por resolver. Consigo desfrutar ao máximo quando trago a banda porque as coisas tornam-se mais simples e diferentes. Quando estou em Londres, é tudo muito mais bruto e eu gosto desse brutalismo porque me obriga, quase, a estar sempre a mexer. Mas a verdade é que quando eu estou relaxada, também estou de facto. A música para mim é o plano A até ao plano Z e se a música não for imagino que vá fazer outras coisas na minha vida que tenham interesse, mas eu estou muito bem com o existir por existir, acho que é uma postura muito respeitável para mim essa. Acho que devemos aproveitar ao máximo da maneira que podemos e, por isso, acho que nos próximos cinco anos espero ainda ver-me em Londres e com o projecto com um bocadinho mais de reconhecimento, espero eu. Quero também trabalhar com outras pessoas e projectos e mais músicos e instrumentistas diferentes. Quero que o projecto de Rossana, ao andar com um pé lá e um pé cá, já consiga equilibrar-se e andar a dois pés. Acho que estes cinco anos foram de desenvolvimento de projecto e isto baseio na minha experiência de ver projectos de artistas que também me influenciam… a partir daí, é quando as coisas começam a acontecer… até porque lá está, quando se mete trabalho e mais trabalho em algo, em algum momento haverá expansão – e a expansão acontece de várias formas, não tem de ser linear e sempre a subir. E mesmo enquanto Inês espero poder dar a minha voz e as minhas capacidades também para outros projectos, seja na composição, nas teclas, na voz… mais trabalho, basicamente.
RDB: Londres e Portugal. Portugal e Londres. 3 palavras para descrever Portugal e 3 palavras para descrever Londres.
R: Portugal para mim é confortável e familiar. Londres é mais o oposto. Também é familiar, mas é mais instável, um correrio constante. Portugal é também raíz, porque inevitavelmente sou de cá e nasci cá. Digo que Londres é mais instável no sentido em que tens de agir se não és passada a ferro, não necessariamente porque competem directamente contigo, mas tens de te mexer uma vez que ninguém o vai fazer por ti. Londres é muito desafiante e muito caótico também. Parecem todas coisas um bocado pejorativas, mas não são, de todo. Aliás, é o lugar onde me sinto mais confortável. Londres tem uma questão incrível que é tu poderes escolher quando é que queres ser invisível ou visível – ou seja, tu escolhes a maneira como te queres posicionar. E eu sinto-me em casa lá, mesmo que a fumar um cigarro à chuva e a observar montes de gente em comboios a passarem. Muitas vezes em Londres tenho sensações de déjà vu.
RDB: Se só pudesses ouvir um álbum para o resto da vida, qual escolherias?
R: Eu já fiz essa pergunta a mim mesma e não sei se consigo ter uma resposta. Mas, a ter que responder, honestamente acho que só ouviria Bach para o resto da minha vida. Não tem nada a ver com o resto mas… e, mesmo assim, o catálogo de Bach é maior do que o catálogo de quase toda a gente que faz música hoje em dia, não é? Talvez os King Gizzard que a cada dois meses (quase) lançam um álbum cheguem à quantidade de discografia que o Bach tinha…não há nada, de facto, que me deixe mais em transe do que Bach. Ainda bem que a música dele foi recuperada e gravada e as pessoas continuam a tocá-la e a lançar versões da mesma…
RDB: Há mais alguma coisa que queiras partilhar?
R: A capa é feita por um designer italiano e tem este ar colorido e quente. E depois eu queria uma capa que fizesse pensar em várias coisas. E foram-se juntando vários elementos criativos (os arcos, as escadas, a palmeira, o sol, os azulejos, a galinha, o piano…) até se gerar este nexo visual e estético. Depois, o sol é vermelho, como o vinil que também é vermelho e é como se fosse a representação disso… E pronto, é o primeiro vinil que fazemos!
Obrigada por esta partilha tão imensa, Rossana!
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