Soundwalk Collective with Patti Smith @ CCB (23.03.2024)
Por entre silêncios e sonoridades
Por entre o clamor e a calma
Enquadrado no âmbito da primeira edição do Festival Belém Soundcheck, Correspondences resulta de um trabalho continuado que tem vindo a ser firmado há mais de dez anos. Decorrente de uma pesquisa sagaz, este projecto colaborativo tem delineado um percurso sonoro bastante singular, pertinente e perdurável. Do laço quase umbilical que une os Soundwalk Collective à Patti Smith, surgiu um espectáculo que no passado sábado, dia 23 de Março, foi apresentado no grande auditório do Centro Cultural de Belém.
Os largos minutos que antecederam o espectáculo fizeram-se sentir ansiosos, num anoitecer que culminaria num findar de noite bastante cândido para quem ali se encontrava. O tempo de espera seria espaço de encontro e de desencontro, na certeza, porém, de que assim que entrássemos naquela sala, a experiência sonora seria o nosso abraço-casa.
A vastidão do auditório ficou, desde logo, sedimentada pela absoluta colecção de seres humanos que ali se concentraram. Sala cheia, inteira, concreta. No palco, uma exposição de vários instrumentos, entre eles o violoncelo e as percussões, e um conjunto de objectos, nomeadamente aparelhos electrónicos. Ao centro, o microfone da Patti. As luzes baixam e o silêncio instala-se. Os cinco músicos entram, e as palmas tomam conta do público. Palmas sonantes, dissonantes, fortes e assertivas. Afinal, estávamos ali porque queríamos viver.
Por entre o silêncio e a sonoridade, por entre o clamor e a calma, o espectáculo foi acontecendo e ganhando espaço para ser mais e mais. Foi-se sucedendo quase numa só respiração, sem pausa(s) para palmas ou absorções vazias. Este espectáculo (quase) performance distinguiu-se, desde logo, por vários motivos. Se, por um lado, a sonoridade era de uma subtileza tamanha; por outro lado, os poemas eram lancinantes, traduzindo feridas comuns; para além disso, os visuais corresponderam a fluxos e mais fluxos de energia, cor e movimento, numa inconstância furiosa ao mesmo tempo reparadora e fragmentadora. Durante setenta e cinco minutos, deu-se um compromisso mútuo, numa total entrega do ser em comunhão com o outro.
Houve uma transversalidade de universos e temáticas entre cada música-poema, destacando-se os sons de animais e relativos à natureza, o som de sinos e de vidros, o sangue, as lágrimas, o luto, o nascimento, a carne humana, as crianças, o bem e o mal, Deus, o medo, a memória, a morte, o sentido de pertença, a protecção e a destruição do mundo em que vivemos, … “if my ONLY sickness was love”.
Viveram-se momentos de tensão e de catarse, em meios com sussurros, suspiros e repetições que foram enlaçando os vários poemas, as várias melodias e as várias imagens. Afinal, quem somos nós? Onde fica a nossa voz? Que lugar ocupamos no mundo em que vivemos? O poema final musicado resultou numa fusão total do supracitado, num crescendo tal que jamais será esquecido.
No final, uma plateia inteira de pé, para aplaudir este hiato que decorrera quase metafisicamente. Das palmas que não se queriam calar, Patti Smith regressa ao palco, desta vez com a filha Jesse Smith, para um encore arrepiante e bastante aconchegante. Cantou “Wing” e “People Have the Power” e fez soar da sua voz de veludo as mais ternurentas palavras de agradecimento. Afinal, a noite que agora caía tinha mesmo sido cândida. Obrigada, Soundwalk Collective. Obrigada, Patti.
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