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“Victorian psycho” de Virgina Feito

A preceptora de Ensor House

Cerca de dois anos após o sucesso de Mrs. March, galardoado com o Prémio Valencia Negra, a madrilena Virginia Feito regressa aos escaparates com mais um livro repleto de humor negro, perturbador, com sangue, muito sangue, e uma personagem que promete ficar na memória dos fãs de ambientes que misturam o gótico com o gore.

Falamos de Victorian psycho (Alfaguara, 2025), uma intensa e provocadora história, recheada de suspense, que tem como protagonista Winifred Notty, uma preceptora que soube aos 16 anos que não sentia medo, e cujo perfil serial killer promete transformar a vida dos Pounds, os seus mais recentes patrões e dignos representantes da alta sociedade vitoriana, num autêntico inferno.

Tudo começa quando Notty chega a Grim Wolds, no coração de Inglaterra, para assumir o papel de fiel e dedicada preceptora em Ensor House, tendo a seu cargo a educação dos jovens Pounds: Andrew, de 8 anos, e Drusilla, 13. O objetivo é ensinar-lhes disciplinas como Francês e a arte da costura à mais velha, e Álgebra e História, ao benjamim da família. Além disso, Winifred assume outra função muito mais do seu agrado que é a partilha de histórias de embalar assombradas com toadas muito negras e violentas, ingredientes que explicam em muito o caldeirão que é a sua personalidade, moldada por um passado de muito sofrimento, provações e abusos.

À medida que conhece melhor a casa onde trabalha, Notty vai descobrindo que a família esconde segredos e perversões, enquanto, simultaneamente, percebemos que a suposta dedicada preceptora não é bem quem parece, sendo por demais evidente o seu comportamento bizarro, provocador, sinistro e macabro, sublinhado por um humor cortante. Essa personalidade alimenta a desconfiança entre a criadagem, mas especialmente em Mrs. Pounds que transforma a preceptora, dona de um passado estranho, num alvo fácil das suas críticas e desprezo, principalmente pela notória atração do seu marido pela educadora dos filhos do casal.  

Enquanto as páginas são devoradas e a presença de hemoglobina vai inundando este livro de discurso cortante, capítulos curtos e ambientes góticos (para isso muito contribuem as capitulares no início de cada capítulo ou as ilustrações no início e fim do romance…), Virginia Feito serve-nos, cravada numa bandeja prateada, uma narrativa que traça o retrato de uma burguesia egoísta e impura, conquistada através de casamentos por conveniência e promessas de família, mas também de uma sociedade sinónimo de uma fogueira de vaidades, invejas, excentricidades e pulhices várias, seja isso, por exemplo, exibir uma múmia pilhada no Egipto, tentativas falhadas de sedução barata ou a luxúria transformada em banquetes obscenos, especialmente quando, nos últimos capítulos, se vive a atmosfera natalícia e se dá o auge deste romance sanguinário, e a contagem de corpos cresce.

A evidente crítica de costumes de um pedaço de História, onde os direitos das crianças e mulheres dependem diretamente do seu estatuto, ou em que a frenologia (pseudociência que defende que a forma e o tamanho do crânio de uma pessoa revelam as suas características mentais e morais) pode servir como um empurrão na subida ou descida na escada da sociedade, são traços bem vincados por Feito neste livro que tem o mérito de se assumir com uma obra que cruza o romantismo e o terror com a elegância característica de quem quer e consegue aliar crueldade e cenas de violência gratuita com momentos de fascinante e divertida perturbação e requintes de malvadez, onde referências aos universos de Dickens ou Tarantino são consequência óbvia. E essa associação, só por si, torna obrigatória a leitura deste livro.



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