“Vinte Anos na Província” | Mónica Baldaque
Mónica Baldaque regressa à casa que tão bem conhece
Mónica Baldaque ama o Douro. A região onde nasceu, cresceu e aprendeu a ser gente é também o lugar a que sempre regressa nos quadros que pinta e nas histórias que escreve. “Vinte Anos na Província” é o seu mais recente livro, lançado pela Sextante Editora, onde a paisagem e a história do Douro inspiram um conjunto de dez contos povoados por memórias, segredos e resquícios de tempos que já não voltam.
“A casa é a província, o lugar fechado dos enredos, o cenário breve das vidas, onde tudo tende à decomposição.” É com esta frase que a pintora e escritora Mónica Baldaque encerra o texto introdutório de “Vinte Anos na Província” e abre a porta de casa do seu imaginário aos leitores transeuntes.
Mal entramos somos projectados involuntariamente para a cadeira de espectador de uma peça de teatro que está a passar o diálogo entre Florbela Espanca e o seu irmão Apeles por intermédio de Alma, única personagem no palco que convive com as duas vozes off. É o único conto do livro com esta marca formal e, talvez, o calcar de uma posição já defendida por sua mãe, a escritora Agustina Bessa Luís, no livro “A Vida e Obra de Florbela”, de que a famigerada relação incestuosa entre Espanca e seu irmão não passou de um amor profundamente fraterno entre irmãos que partilhavam o mesmo universo intelectual.
As vozes que conseguimos ouvir neste primeiro conto dilatam-se pelos restantes na pele de outras identidades. São vozes que ecoam das profundezas da consciência dos personagens, que tanto servem para questioná-los como para alertá-los. Esta é uma característica transversal à obra escrita de Baldaque: mostrar as diferentes matizes existenciais dos personagens através de diálogos com a própria consciência ou com quem já partiu e deixou marcas de saudades.
E é de saudades que se fala em “Vinte Anos na Província”. Saudades, solidão e fatalismo. O regresso à casa onde se cresce ou que representa a herança de um ADN familiar que se desconhece, o contraste entre a província e a cidade, um Portugal de finais do século XIX e princípio do século XX, do qual soçobram ruínas, saudades e mistério, gerações que regressam às casas de família do Douro sob a desculpa de férias, funerais, heranças, e onde encontram o baú da sua verdade ainda por abrir.
Não há dúvida de que Mónica Baldaque se movimenta entre histórias que conhece muito bem, numa prosa polida e dissertativa. As suas personagens, fruto de um Douro que já viveu os seus tempos áureos de tradição vincada e de famílias abastadas, representam pessoas “silenciosas e observadoras” que guardam memórias felizes da infância e regressam à casa que as faz redescobrir um mundo novo. Para o bem e para o mal.
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