O Teatro ressuscitado na noite da Dona Luciana
E com a ressuscitada morte no palco da hiper realista empregada de limpeza Luciana renasce a Cena, o Teatro, a Arte, a inspiração, a liberdade sexual, a vida, no Teatro da Politécnica a partir de 24 de Fevereiro até 19 de Março.
A noite de Dona Luciana é uma noite estridente, mobilizadora, imediata e profunda. Guia-nos pelas fundações da própria dramaturgia abrindo-nos o olhar para o mais que real com a justasposição de diversos personagens que fazem parte do Teatro e que ao mesmo tempo são os passageiros de um vaudevilliano objecto não identificado da linguagem e da vida.E no palco inaugura-se o mundo transgressor, vivo, cáustico, cómico, transformando-se num “transpalco”, num “transtexto” que funda o mundo na fantasia, vai beber aos comics, a Genet, à transfilosofia labiríntica da imaginação humana, em que se desintegra o real, para o reconstruir no amor. O encenador Ricardo Neves Neves e o seu Teatro do elétrico tecem a paródia negra do ano com o mais criativo e mordaz dos autores, Copi.Peça datada de 1985, projecta-se a si própria no futuro falando-nos da mais sarcástica das noites barrocas.
Tudo começa com um telejornal cheio de notícias grotescas.Em tudo, como na realidade o autor e o seu labirintico universo, é potenciado por Ricardo Neves Neves em que há dissolução dos papéis, da cada personagem em desdobramentos e aglutinações para tudo desembocar no relato mais alucinante que um palco pode erguer.A sincronização absoluta de dois dos personagens que dizem e agem ao mesmo tempo como se apenas de um se tratasse e que termina numa pieta homossexual sublime, mimetiza-se na própria actriz vedeta e na transsexual que invade o palco e que terminam a falar a uma só voz.A transexual enigmática confronta com a sua presença o director teatral, e restantes elementos da peça, despoletando como senhora do Teatro a falta de inspiração do colectivo. Com a notícia da morte de Dona Luciana vai alimentar a narrativa imediata da peça, ressuscitando-a estabelecendo um ponto reconhecível para o público confundindo o real com a fantasia.
Como diz Ricardo Neves Neves à RDB, a peça fala de “assuntos densos de um modo muito leve”.
Desta encenação resulta uma profunda mas directa reflexão sobre os tempos próprios da Dramaturgia, do que afinal é o teatro em que na longa noite de ausência de inspiração a morte e ressurreição descontinuada no tempo, Dona Luciana confronta como uma viva morta o que se dimensiona quando se faz Teatro. A Dona Luciana acaba por determinar o tempo da peça, como se alguém exterior ao Teatro condicionasse fatalmente o relato precipitando a morte do Teatro que como num espelho mata-se a si próprio para ressuscitar no Drama que o caracteriza.Dona Luciana, matando os elementos mais ou menos criativos do teatro acaba por revelar o mistério do que é a própria Cena.
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