B Fachada, Minta e João Correia | “Os Sobreviventes”
A Revolução continua 40 anos depois
De todos os músicos da sua geração, Sérgio Godinho é aquele que melhor tem acompanhado a evolução da música, sempre instalado no comboio do tempo naquele vagão reservado aos artistas de primeira classe.
O último ano foi um verdadeiro mimo para o artista português. Na Literatura, tivemos a edição de “Caríssimas 40 Canções”, pela Abysmo – onde o autor fala de 40 temas marcantes no seu percurso – e, também, de “55 Canções”, pela Assírio & Alvim – com partituras, letras e cifras de canções suas. Porém, o melhor ficou reservado para a recta final de 2012 com a reinvenção de “Os Sobreviventes” – disco originalmente editado em 1972 -, levada a bom porto por B Fachada, Minta e João Correia.
O convite à reinvenção partiu do próprio Sérgio Godinho onde, à duração original, se acabaram por acrescentar mais 15 minutos – o que mostra o prazer que o trio Fachada/Minta/Correia teve em desmontar os temas e apresentá-los à luz de uma visão muito própria. Porém, mais do que um corte com o passado, há aqui um diálogo entre gerações, numa renovação com ar de passe de mágica que representa uma justa homenagem a alguém que, para gravar este disco, teve de partir para a vida de exílio.
A cumplicidade entre o trio é notória a cada nota musical, sabendo até onde a imaginação de cada um e a sua capacidade inventiva poderá ir: B Fachada empresta aos temas uma visão muito própria da ideia de melodia – que é muitas vezes do contra – e dos arranjos e, os coros com que sonhou e aqui exorcizou, estão entre a canção de embalar e a manifestação de rua sem necessidade de pedras de calçada ou bastões; João Correia é o arquitecto do fundo sonoro feito de uma percussão suave, construída de pontos, contrapontos e onde se arranja espaço para alguns momentos natalícios – que conhecemos bem dos Julie & The Carjackers; Minta inventa e brinca com o ritmo como se este não passasse de pura intuição, acompanhando Fachada como uma alma gémea nas artes de bem cantar. Tudo somado, temos entre mãos um disco exemplar, daqueles que já se não se vêem muito como os brinquedos de madeira ou as calçadeiras de sapatos.
Numa altura em que o Estado Democrático se deixou embrulhar num papel com o padrão dos juros de dívida, estende tapetes vermelhos a PPPs com alma de coveira e fez do compadrio político uma coisa cool – pelo menos para eles, os políticos -, é tempo de recuperar as palavras que há 40 anos foram escritas contra uma imensa ditadura. «A liberdade está a passar por aqui», canta-se a certa altura. É tempo de passar das músicas aos actos.
Uma edição Mbari
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