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Capicua @ Teatro Tivoli BBVA (20.03.2024) 

Uma noite de chuva intensa que nos lavou e sacudiu a alma.

Perante uma abundante plateia, Capicua apresentou, em antestreia, o seu mais recente trabalho artístico, “Um Gelado Antes do Fim do Mundo”. Naquele lugar, durante quase hora e meia, fomos espectadores espantados que, com honestidade, escutámos as mais urgentes palavras e poemas, as mais afãs vontades e contravontades. 

Nas palavras da artista, este disco “fala sobre a sobrevivência da poesia num mundo em colapso, sobre a nossa carência de futuro e de esperança, mas, sobretudo, sobre o encantamento, na arte e na natureza, como antídoto para tudo isso.” É um álbum que nos arrebate e arrebita, para que estejamos e sejamos resistentes contra o que é parasita. 

As luzes baixam, ressoam uma espécie de badaladas como mote de partida, até que entram os músicos em palco. Inicia-se o acto insubmisso com «Chiaroscuro». Segue-se «Ao Ocaso». Constituindo-se, também, como as duas primeiras músicas do álbum, prendem-nos pelo pescoço como se fossem uma corda muito apertada que, depois de lassa, nos arremete contra o chão para que consigamos gritar. 

Capicua conta-nos sobre o processo de criação deste “Um Gelado Antes do Fim do Mundo”, o qual veria a luz do mundo à meia-noite daquele dia rebelde. Conta-nos que há um ano não acreditava ser possível ter um novo disco, até se ter apercebido que tinha muita coisa para dizer. Partilha, ainda, que cada música fala do nosso tempo, como um “recarregar de esperança para a luta”. 

Em seguida, faz-se escutar «Flamingo» e «Souvenir». Duas canções que, ao serem impregnadas de alento, ressoam em nós como uma cócega intermitente que nos impele à não-dormência e à acção avessa. 

Cada nova escuta, ao longo do concerto, foi sendo acompanhada de imagens em vídeo, como uma ilustração daquilo que nos evade e invade para que, por conseguinte, fiquemos atilados, desatados e sem nós perante a l(ab)uta que há-de vir. Imagens feitas a preto e branco, de um simbolismo tal e tão franco. 

Ouve-se «I», cujo verso inicial “A Revolução é como a Primavera, regenera” nos dá logo um arrepio, para que não nos calemos, não percamos (o) pio. Interliga-se à música seguinte, «Natureza Morta», a qual nos redirecciona e orienta, como uma bússola que palpita cadenciadamente. 

Capicua faz uma viagem até ao álbum “Madrepérola” (2020) e brinda-nos com «Último Mergulho». Logo após, regressamos ao novo disco com “II”, em que a crença de “ser(mos) capazes de dominar os elementos naturais e a sua fúria” (…) faz com que estejamos “em declínio por nossa incúria”. 

Uma adaptação da «Estrela Da Tarde» integra, também, este novo trabalho artístico, feito de “muitas mãos e muitas vozes”. Perante esta almofada que é bálsamo, entra em palco Gisela João para, em conjunto com Capicua, nos trazerem de volta à vida com «Danúbio». Uma composição ardente, de pé assente, e para quem não consente. Ainda pela voz de Gisela João, «Que Força É Essa, Amiga». 

Ergue-se o poema-canção «III», “Saibamos ser bicho, sem luxo, sem lixo, só ser vivo, só estar vivo”…, reiterado pela “Apartamento”. Sintamos o chilrear dos pássaros decor, de coração inteiro e verdadeiro. 

Escutamos, ainda, «Meia Romã». Agradecimentos vários, bastantes palmas, toda a gente de pé. Volta-se ao “Madrepérola” (2020) para se ouvir a música que lhe dá nome. O corpo acérrimo e dançante, sem perder o foco, determinante. 

Termina o insurrecto com «Brava» e «Making Teenage Ana Proud». Dois assobios retumbantes que só não os alcança quem não almeja a mudança. Seja de megafone na mão, ou não, a luta quer-se todos os dias. Obrigada, Capicua. Fomos, de facto, sacudidos. 

 



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