Francisco Silva a.k.a. Old Jerusalem
“Esta ‘praia’ é e tem sido a minha, mas podem vir a haver outras, não sei.”
Ao quinto álbum, Old Jerusalem lança o seu primeiro homónimo, inteira e exclusivamente escrito, interpretado e gravado por Francisco Silva. Saiu a 19 de Setembro e foi editado pela PAD.
“Old Jerusalem” sucede-se a “Two Birds Blessing” (2009) e traz-nos um conjunto de canções amadurecidas que apelam ao recolhimento. Francisco não nos decepciona, continua a escrever belas melodias e a entrar pela porta da nossa casa com a sua guitarra, sempre amigável e com os pés bem assentes na terra. Não sabemos se haverão outras praias por visitar, mas pouco importa, quando se está tão bem nesta.
Depois de muito já se ter falado sobre este novo trabalho, Francisco conta-nos um pouco mais sobre si, sobre o que mudou e sobre o que continua igual.
Chegaste ao quinto álbum percorrendo um caminho evolutivo que dá cada vez mais consistência ao teu trabalho. Evolução, portanto, não transformação. Em termos musicais, continuas a querer as mesmas coisas que querias há dez anos atrás? Esta é a tua praia?
Posso dizer que continuo a querer para a minha música a mesma coisa que queria no primeiro disco. Quero fazer as melhores canções que possa, interpretá-las e registá-las da melhor forma que me seja possível a cada momento. Essa procura tem levado mais ao tal caminho da evolução, é certo, e não tanto ao da transformação, mas isso não é uma decisão deliberada e não implica que não venha eventualmente a existir uma transformação. Pode ou não vir a acontecer, pelo que esta praia é e tem sido a minha, sim, mas podem vir a haver outras, não sei.
Um quinto álbum homónimo personifica a certeza de que continuas igual a ti próprio?
Estou de acordo, ainda que o ser igual a mim próprio ao longo do tempo implique sempre que muita coisa seja diferente. No fundo é como com as pessoas: somos os mesmos ao longo do tempo, mas não somos iguais ao longo do tempo.
«Our Inland» embrenha-se de uma pop quase nostálgica. É uma canção nova para nós, mas estava no armário há quase vinte anos. É costume deixares as músicas a marinar até estarem no ponto?
Não é comum que as canções passem tanto tempo a marinar como aconteceu com o «Our inland». Normalmente os temas ficam terminados e registados num período de tempo bastante mais curto, e os temas da fase pré-Old Jerusalem, como é o caso do «Our inland», praticamente nunca são considerados, são parte de um arquivo quase arqueológico em que raramente mexo.
Quando escreves canções, deixas a caneta seguir o impulso da hora, ou trabalhas os sentimentos até chegares ao que queres, de um ponto de vista mais objectivo?
Sigo um impulso pouco consciente para as primeiras linhas de uma canção, mas a maior parte do trabalho a partir daí é trabalho racional e objectivo, de construção de uma linha narrativa, de escolha de palavras e de ambientes, de decisão sobre enfoques ou planos, de trabalho de edição, etc.
A melancolia das tuas músicas é mais do tipo realista, no sentido em que encaras as coisas como elas são, com os pés assentes na terra, e não como sofredor irrecuperável?
Sim, definitivamente, e nessa perspectiva nem sei se acaba por ser melancolia o que perpassa nas canções que escrevo.
Onde costumas escrever?
Não tenho um local exclusivo para a escrita, mas normalmente faço-o em casa.
Muitas das tuas letras são introspectivas e falam de experiências reais. Já resolveste problemas enquanto escrevias? Ou chegaste a conclusões mais claras?
Algumas coisas já se tornaram mais claras, sim, o que é natural quando exploramos mentalmente uma situação ou ideia, mesmo que seja apenas para lhe extrair um conteúdo ou significado estético.
Com “April” (2003) desbravaste terreno para que a indie folk se começasse a produzir em Portugal. Sentes que contribuíste para esse caminho?
Pessoalmente não sinto que o “April” tenha tido esse papel, mas já várias pessoas me fizeram saber que o vêem dessa forma, pelo que talvez esse disco tenha dado o seu contributo para a consolidação desse tal terreno indie folk por cá.
Lanças um álbum de dois em dois anos. És muito metódico?
Não sou muito metódico, mas não sou exageradamente desorganizado. Gosto da regularidade que temos mantido nas edições e espero mantê-la, mas não planeio de antemão o trabalho de cada disco.
Queres fazer algo diferente no próximo disco?
Sim, essencialmente em termos de processo de trabalho. Não antevejo que as canções venham a cortar com a linha estética que temos vindo a seguir, mas gostaria de experimentar outros métodos de trabalho no registo das canções, métodos um pouco mais exigentes na vertente logística e de agenda, pelo que não sei ainda se será possível levar a cabo a experiência, mas a ideia é pelo menos tentar.
Gostavas de experimentar outras formas de apresentação dos álbuns em concertos ao vivo. Há alguma ideia que tenhas em mente para este disco?
Para este disco gostaria em algum momento de replicar ao vivo os arranjos que gravámos. Parece uma ideia elementar, mas na verdade não seria trabalho fácil e exigiria re-aprender algumas partes e mesmo rebuscar afinações de guitarra que foram usadas no momento da gravação mas que não faço neste momento ideia de quais sejam…
Por outro lado, gostaria de em algum momento fazer um conjunto de espectáculos com uma componente visual que incluísse as letras das canções.
Ouvi dizer que és economista e que gostas do que fazes. Se a música passasse a ser um trabalho, o teu único sustento, perderia a magia que tem?
Já pensei que sim, mas neste momento estou convencido que não, a magia da música parece-me hoje independente do papel que desempenhe na vida de cada um. Curiosamente esta minha posição ganhou consistência na minha cabeça num momento em que o meu interesse pela magia da Economia passou também para um patamar mais sólido.
Em que altura do dia convidarias as pessoas a ouvir o teu novo álbum? Eu diria com raios alaranjados a espreitarem pela janela, num fim de tarde outonal…
Um fim de tarde outonal parece-me bem, mas idealmente estenderia esse fim de tarde às outras estações do ano também.
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