Gabriel o Pensador @ Teatro Tivoli BBVA (07.05.2013)
Gabriel imune ao tempo e à crise
Foi com sala cheia que o Teatro Tivoli BBVA recebeu mais uma visita de Gabriel o Pensador a Lisboa, numa noite de celebração com o novo álbum “Sem Crise”, muito improviso e as sempre urgentes denúncias vincadas nos versos do artista. E com um sorriso rasgado, claro.
«Sem crise», «Boca com boca» e «Na palma da mão» foram alguns dos novos temas que Gabriel apresentou, menos densos, mais repetitivos e (ainda) mais festivos do que o seu habitual registo. A boa onda de fácil contágio muito se deveu ao MC e ao DJ com que a banda se fez acompanhar, que cumpriram com distinção o papel de entertainers.
Com uma discografia tão rica, é difícil que o alinhamento não seja desfile de clássicos: na primeira meia-hora já tínhamos ouvido o «Cachimbo» e «Nunca Serão». E os velhos problemas que Gabriel o Pensador expõe e arrasa, como a ganância e a impunidade, não são apenas conversa de circunstância.
Embora intemporais, os temas retratados – com alguns traços claros comuns no Brasil e em Portugal – parecem hoje especialmente prementes. Mas mesmo com a banda a inflamar a plateia, estas músicas não conseguiram ser mais galvanizadoras que a nova coqueluche, «Surfista Solitário». O início em falso, porque os microfones insistiam em falhar, não beliscou em nada o sucesso ao vivo do novo hit. Não há percalço técnico que retire a descontração ao poeta brasileiro.
Um travão na euforia, mas emoções mais fortes: «Tás a ver» foi das mais intensas da noite, dedicada aos muitos amigos que Gabriel o Pensador fez em Portugal. Para nos lembrar de que vale a pena sonhar, que é possível sonhar, e que ainda sabemos sonhar. Logo a seguir, um ambiente de cortar à faca com «Para onde vai», onde o estudante assassinado no Porto na semana passada voltou a ser recordado. As palavras de Gabriel no final do tema foram mesmo abafadas por palmas.
O público fez questão de se levantar para sublinhar o momento. Para não mais voltar às cadeiras. De facto, uma sala com lugares sentados não era o local mais adequado para retribuirmos a energia vinda do palco. E o concerto ganhou uma dinâmica completamente diferente a partir dali.
Na próxima Copa Mundial é claro que vai torcer pelo Brasil, avisa. Fora isso, Gabriel adora o nosso País e não se cansa de o dizer. E também veste a camisola 10 da nossa selecção – a dos maestros, dos prodígios, dos que apaixonam multidões. Mesmo à sua medida.
Não há momentos mortos no concerto. O som de fundo não pára e a conversa é feita em formato de quadras. Aliás, todos os elementos da banda foram chamados a tentar umas rimas de improviso (e lá para o final até um fã subiu ao palco para dar um ar da sua graça), com alguns resultados particularmente cómicos.
Antes da primeira saída de palco, risadas e gritaria com «Feio» e pulsação acelerada com «2,3,4,5 meia 7,8». É notável a forma sublime como conseguiram balançar entre a festa, o “deixa andar” e a intervenção política (tantas vezes dissonantes) sem nunca sentirmos que estávamos em dois palcos diferentes.
Os dois encores trouxeram-nos «Astronauta», uma versão de «Get up» de Bob Marley, «Eu e a tábua» (ainda a cantarolar “Estou a dois passos do paraísoooooo”), a colossal «FDP» ou «Se liga aí». Por duas vezes o Pensador saiu do palco e irrompeu messianicamente pela sala. Estranhamente, houve quem prescindisse de fruir ao máximo da ocasião para… erguer o tablet e preferir a posteridade em vídeo.
O adeus a Lisboa chega com «Até quando». Tal como boa parte do concerto, para alguns serviu de sobressalto cívico que não se sabe quanto dura, para outros foi só uma dose reforçada de inspiração e esperança. Ou apenas algumas horas a presenciar a pontaria das palavras e a humildade deste incontornável nome da língua portuguesa. Pelo menos ali parecíamos remar todos para o mesmo lado.
Fotografia por Rita Sousa Vieira
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