Gatupreto | Entrevista
Gatupreto é um duo nascido e criado nos arredores de Lisboa e que há cerca de três anos viu concretizada a vontade mútua de criar um universo musical capaz de enaltecer as raízes musicais de ambos os "gatus".
No passado dia 9 de fevereiro atuaram no Musicbox, guiados pela mão da agência Op \/\/\ Amp, numa festa que ficou marcada pela apresentação ao público do seu Segundo EP, intitulado “Distino Di Nos Vida”. Fomos conversar um bocadinho com eles para sabermos como correu a festa e também para os conhecermos um bocadinho melhor.
Como e onde nasceu este Gatupreto?
O projecto nasce há três anos nos arredores de Lisboa e foi criado a partir de uma vontade mútua em produzir um universo original que partilhasse as raízes comuns musicais que unem as nossas infâncias. Isto porque na nossa infância e adolescência era muito fácil aceder a música boa, genuína e original em canais de grande exposição (música que para os padrões actuais seria estranha e em muitos casos, quase experimental).
Que ligação tem essa música com o local onde ambos cresceram?
Essa música era cruzada e acompanhada da banda sonora dos bairros em que crescemos, de fenómenos “roots” suburbanos que ambos experienciámos e dos quais há hoje pouca memória. Ambos gostamos de reviver o passado, porque, embora ainda sejamos jovens, temos noção de quão especial foi esse tempo. Temos muito que nos une a nível artístico, tanto na música que crescemos a ouvir, como na música que achamos relevante e interessante na actualidade e foi isso, acima de tudo, que nos uniu. Esta partilha musical, se ainda lhe podemos chamar, é aquilo que nos tem vindo a permitir imaginar e conceber algo fora do comum.
O que é isso de ‘fora do comum’? Isto porque numa altura em que já existem vários projectos portugueses que misturam a electrónica mais dançante com influências africanas, o que acham que distingue os GP dos demais?
Já desconfiávamos que nos iriam colocar esta questão. (risos) Há uma grande facilidade, para quem nunca ouviu a nossa música, em generalizar o projecto. O que temos a dizer sobre este assunto é que a nossa abordagem à influência africana não vem de uma vontade de participar num movimento presente, mas de uma experiência directa, de vivermos a miscigenação musical que acontecia em Lisboa, onde a cultura rave era intercalada pela cultura africana com uma interessante falta de regras ou preconceitos. Foi assim que crescemos. Dos muitos exemplos que poderíamos evocar destacamos que um dos membros de Gatupreto teve o seu primeiro gig numa discoteca africana e produziu música com o DJ residente do Mussulo aos 14 anos, e o outro viveu essa música desde que nasceu e ostenta a sua herança e história familiar na pele.
Entre o primeiro e o segundo EP quais as grandes diferenças e de qual gostam mais.
Gostamos muito de ambos, na verdade. O primeiro trabalho é instrumental, nele surgem alguns dos vectores artísticos que no segundo estão explorados com maior profundidade. Grandi Loba (o primeiro single) é ainda hoje um dos temas mais fortes que trazemos na mala, chamamos-lhe intimamente de “touro enfurecido”, uma faixa avassaladora que se destaca quase sempre de sets que fazemos quer como Gatupreto quer a título individual, e agora, quando ouvimos o novo «I Became Me» (o single com a participação de NBC) sentimos ter conseguido produzir uma canção transversal e muito original.
Contem-nos sobre essa experiência. Como foi trabalhar com um artista como o NBC?
Foi muito fácil. Trabalhávamos na sala Portland Sound dos estúdios Big Bit, nela produzíamos e pós- produzíamos muito do catálogo da TINK! Music, juntamente com o Joseph Salvador. Durante esse período cruzávamo-nos com muitos artistas de relevo nacional, principalmente da área do hip hop, e foi em conversas de café na sala de estar do estúdio que começámos a desenvolver uma amizade transparente e sincera.
Semanas depois de começarmos a desenhar a possibilidade de uma colaboração, o NBC apareceu na sala e gravou em dois takes a letra que tinha escrito para o instrumental… gravámos, editámos, trabalhámos, e em algumas semanas chegámos ao trabalho final do qual estamos muito orgulhosos. O NBC mostrou-se sempre muito disponível para a filmagem do videoclip, cuja direção e filmagem devemos a outro grande amigo, o Pedro Miguel (que também realizou o documentário sobre dj’ing em Lisboa, Discos Cruzados).
Há outras colaborações pensadas ou músicas a sair?
Temos mais dois discos em finalização. O disco Distino Di Nos Vida conta com a colaboração de um novo membro dos Gatupreto, o Daniele Labbatte, baixista e teclista italiano que nos ajudou a criar a melodia de Afrowerk. Temos mais alguns temas com ele e outros músicos, e estamos a ponderar o convidado ideal para um novo single. Temos muitas opções e também muito trabalho pela frente.
Porquê a edição em vinil? É teimosia, é rentável?
Não achamos que editar em vinil seja uma teimosia, mas sim uma honra. É um formato que exige uma indústria considerável para existir: engenharia de som, técnicas de corte e fabrico, artwork, custos de transporte. Todas estas são coisas têm desse ter em conta ao fazer um disco e, por isso mesmo, a música que é cortada para vinil é frequentemente de uma qualidade técnica elevada. Há um investimento enorme que não é feito quando não se tem uma confiança inabalável naquilo que se está a lançar, ninguém atira dois mil euros ao vento, como ninguém corta um disco sem sentir visceralmente a música que nele ficará imortalizada.
Sobre os formatos digitais, qual a vossa opinião?
Não somos alheios aos formatos digitais, nem fundamentalistas. Os nossos dj sets, por exemplo, não costumam usar vinil. Muita da música menos conhecida que queremos dar a ouvir como Gatupreto não existe em formato físico e gostamos por vezes de usar algum equipamento musical (como caixas de ritmo, sequenciadores de samples ou processadores de efeito) que podem ser sincronizados em MIDI para adicionar uma dimensão “live” aos dj sets. Nós queremos que a nossa música exista nos dois reinos, digital e analógico, porque gostamos de discos tanto quanto de música no geral, mesmo que nem sempre os tragamos connosco para as actuações. Numa última análise, este desejo em ter um disco físico é assim como que um sinónimo de perseverança, qualidade e ambição, com o digital sempre presente noutros momentos dos Gatu.
Falaram sobre dj sets e aproveitamos a deixa para vos perguntar como correu o último, na festa do passado dia 9 de fevereiro, organizada pela Op \/\/\ Amp.
A festa ter coincidido com a noite de estreia de Distino Di Nos Vida e foi muito marcante porque há muito tempo que não actuávamos com o projecto. Tínhamos uma responsabilidade grande porque o Musicbox foi o único clube de maior volume em Lisboa até agora que apostou em nós, e nas últimas vezes que lá tocámos já enchíamos a pista bem cedo (o Lounge e o Desterro foram outros espaços onde levámos a nossa música, mas são mais íntimos).
Com a responsabilidade de pegar em algo que não fazíamos lá há mais de um ano, e sabendo que estas pessoas sempre acreditaram que não encaramos de ânimo leve o set, demos o nosso melhor. Hoje é magnífico olhar para trás porque embora a noite estivesse pouco convidativa (uma chuva torrencial que desanimava muitos de sair de casa, com ventos fortes e temperaturas baixas), a noite começou com um warm up exemplar do DJ Flick, que saltou de um hiato de alguns anos para a cabine do Musicbox como se não fosse nada (Chicago, Detroit, Londres e Berlim numa fusão natural e ecléctica de dub, techno, house e hardcore breaks com viragens étnicas). Entrámos pelas 02.30, desfizemos o embalo do warm up e reconstruímos com várias escolhas exóticas, fomos e vimos várias vezes entre escolhas físicas e escolhas espirituais, tocámos os temas do disco e ainda tivemos ocasião de relembrar alguns clássicos.
No fim, Sabre entraram com tudo!
Numa perfomance dividida entre um djset e um live, deixaram a TR-8 cavalgar por cima de grooves techno e acid house, entre temas próprios e outras agradáveis escolhas.
No geral foi uma noite que do ponto de vista artístico foi única, com o acréscimo de termos tido a melhor companhia possível para estrear este novo disco.
E a Op \/\/\ Amp, qual a vossa relação com esta agência?
A OpAmp é uma estrutura que nos tem apoiado e ajudado na divulgação e na consolidação do trabalho que temos vindo a desenvolver. O alinhamento foi pensado para conseguir dar um ponto de contexto para o projecto Gatupreto e a sua colocação artística e isso contribuiu muitíssimo para o bom groove que se sentiu do princípio ao fim da noite E a nós é isso que nos interessa: agências que proporcionem momentos que promovam o discurso entre bandas e produtores, entre a música original, fusionista, futurista, clássica, transcendente e livre, e que tenhamos o imenso prazer de ver tudo isto a ser partilhado por pessoas especiais e com muita alegria.
Obrigada, Gatupreto. Foi também com muita alegria que partilhámos convosco esta conversa. Para estarmos em cima de próximos acontecimentos, onde vos podemos encontrar?
Nós também, muito obrigada RDB. Fiquem atentos à nossa página de Facebook (link: https:// www.facebook.com/gatupreto/) e apareçam num próximo set!
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