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Howard the Duck

Trapped in a world he never made ou um pato contra o sistema.

O comic de Howard The Duck , é um herdeiro do fenómeno dos comics underground , designados como COMIX (sim, o X significa X rated). Os Comix surgem associados ao movimento de contracultura do final dos anos 60 nos EUA. Estes títulos normalmente abordavam de forma explicita  temas relacionados com drogas, sexo , política , basicamente tudo o que era banido pela censura presente nos comics tradicionais  (através da Comics Code Authority). Esta forma de arte anárquica, tornava-se ainda mais pertinente pelo facto das edições terem um aspecto semelhante aos títulos destinados ao público infanto-juvenil.
O autor mais conhecido deste meio será Robert Crumbs, criador do conhecido Fritz the Cat  (com uma longa metragem em desenho animado de 1972).

O período áureo dos comics underground ocorre entre 1968 e 1975. É neste período que é criado Howard The Duck, mais precisamente em 1973. O personagem estreia-se  num título de terror da Marvel –Adventure into fear nº19  com a participação do personagem Man-Thing. Este nº em conjunto com Man-Thing nº1 . e giant size Man-Thing nº4 e nº5, contam a origem do personagem e preparam o lançamento do título próprio em Janeiro de 1976.
Na década de 70  o selo da Comics Code Autorithy era o padrão nos comics das principais editoras (Marvel e DC), pelo que o caso de Howard the Duck não podia ser uma  excepção. No entanto, os autores Steve Gerber (argumentista) e Frank Brunner (ilustrador), conseguiram habilmente contornar o código e criar um comic que conseguiu tocar  nos temas da cultura pop mais emblemáticos e polémicos da época.

Comecemos pelo aspecto de Howard que na boa tradição dos comix, faz uma adaptação de um personagem que nos remete para o imaginário infantil (neste caso Pato Donald), o que  facilmente nos levaria a pensar tratar-se de um comic destinado à petizada, não fossem pequenos pormenores logo na capa do nº1,  como o subtítulo  “trapped in a world he never made” (remetendo-o para a classe de contestatário/anarquista)  ou  o facto do mesmo não deixar de  fumar charuto de forma ostensiva mesmo em situações de claro  perigo.
A narrativa do comic tinha como pano de fundo o terror humorístico, fazendo uso dos vilões  mais bizarros do universo Marvel alguns deles já existentes ou criados propositadamente para o efeito. Temos a inesquecível Vampire Cow, a Cokkie Creature  (precendendo em alguns anos o famoso Marshmalow   Man  do filme Ghostbusters), o Space Turnip, etc. etc.

Este referencial temático da publicação não era no entanto o seu principal factor  diferenciador. O que tornou este comic num caso de sucesso eram as observações subtilmente implantadas ao logo da narrativa , feitas por Howard à sociedade contemporânea que o rodeava. Outro elemento completamente diferenciador dos restantes títulos mainstream era o facto dos clichés dos comics serem  habitualmente parodiados, funcionando aqui o factor de desconstrução da  linguagem clássica deste meio.

Howard é acima de tudo um comic de autor , que torna muito difícil qualquer adaptação por outros argumentistas sem desvirtuarem por completo a ideia original. A influência que Gerber tinha sobre o conteúdo  tornou-se absoluta a partir do momento em que foi nomeado editor complementarmente ás funções de argumentista. O melhor exemplo deste caso, foi o cada vez maior experimentalismo que ia sendo introduzido no comic , nomeadamente no nº 16, Gerber incapaz de cumprir com os prazos estabelecidos para a publicação do próximo nº, decidiu substituir os habituais painéis dos comics, apenas por texto e ilustrações satirizando as suas dificuldades como argumentista.

Alguns desentendimentos quantos aos direitos do personagem entre o argumentista Steve Gerber e a Marvel, levaram à sua saída do título. Apesar desta disputa ter sido anos mais tarde resolvida , a publicação foi entretanto cancelada em 1979, com uma breve reformatação para revista bimestral a preto e branco entre 1979-81 , ficando posteriormente  Howard relegado a aparições pontuais noutros títulos. Finalmente surge em 1986, para “felicidade dos fãs”,  a adaptação cinematográfica de Howard The Duck !

Aparentemente este filme teria tudo para resultar:  produtor George Lucas, orçamento em conformidade com as  grandes produções de Hollywood ( 37 milhões de dólares) , argumento escrito por Willard Huyck e Gloria Katz, conhecida por ser co-autora dos scripts de American Graffiti e Indiana Jones e o Templo Perdido (provavelmente o pior da série , mesmo contando com o Reino da Caveira de Cristal).

Para a época era surpreendente um personagem de comics pouco conhecido do publico em geral ter direito a este tratamento, dado que a maioria dos personagens  tinham tratamento low budget associado a adaptações para TV ou edições directas para Video (havendo é claro  alguma excepções como  Super-Homem ou Flash Gordon).

Resumidamente, o argumento da adaptação cinematográfica  consiste na origem adulterada  de Howard, o qual é  literalmente extraído do seu planeta natal (em tudo semelhante ao nosso mundo mas com patos em vez de humanos) e é trazido para a terra por intermédio de um equipamento experimental que transporta seres vivos através do cosmos (um nadinha forçado este conceito “científico”). Uma segunda tentativa por parte de um dos cientistas coordenadores deste estranho projecto  faz com que este  seja acidentalmente possuído por um demónio intergaláctico com o objectivo maléfico de  trazer uma legião da mesma raça para a terra.

O filme gira em torno do conflito de interesses que ambos têm na máquina. Howard  pretende usar o equipamento para regressar ao seu planeta , enquanto que o demónio procura reunir-se com o seu grupo na terra.

Contrariamente ao comic, o filme é de uma linearidade primária, sendo completamente enfadonho para o publico adulto. Torna-se assim  um alvo fácil: podíamos falar das súbitas oscilações entre humor infantil e adulto , ou do overacting típico dos filmes “para a família”, ou das cenas musicais com playback  de segunda  a condizer.

Existem no entanto algumas qualidades que permitem redimir o filme. O tom inicial , que decorre em cenário nocturno , consegue captar eficazmente a atmosfera do comic, não obstante rapidamente se assistir á perda de um  rumo estético claramente definido.

Para os nostálgicos dos filmes tipicamente 80s existem  vários momentos paradigmáticos do género, destacando-se  o final rock concert com musiquinha completamente “inspirada” na fase Purple Rain de  Prince. São estas pequenas pérolas que nos podem levar a olhar para o filme com alguma condescendência.
Na sua essência o  filme encaixa-se na categoria de tão mau que  é bom (colocando-o na panteão dos filmes de culto). Em determinados momentos vislumbramos aquilo que poderia ter sido uma boa adaptação, para logo a seguir sermos massacrados com uma cena lamechas.

O ponto em comum entre comic  e filme é apenas a existência de um pato com o nome Howard, tudo o resto esfuma-se num conflito entre um comic revolucionário e um filme conformista.
O Howard clássico que conhecemos dos comics simboliza uma época de maior convulsão social, enquanto que o filme é um produto da América abastada e mainstream dos 80s, prevalecendo a forma sobre o conteúdo.

O tempo veio demonstrar que é possível fazer boas adaptações de personagens dos comics, sendo a actual década prolifica em exemplos do género . Apesar de não constarem rumores de nova adaptação de Howard para o cinema ,  têm havido alguma tentativas de trazer o personagem de volta ao universo dos comics. Em 2001 foi lançada na publicação Marvel Max  uma mini série de 6 números com  argumento de Gerber, continuando Howard ao longo dos anos a manter presença no universo Marvel através de algumas aparições esporádicas noutros títulos. Em finais de 2007 foi lançada uma nova mini-série do personagem com arte de  Juan Bobillo e argumento de Ty Templeton. No entanto Howard pertence a outra era e as sucessivas tentativas de reboot, só demonstram que deveríamos ficar pelo run original do comic .

Sempre que quisermos recordar podemos contar com  a bíblia da série Essential Marvel e as suas 592 páginas (contendo toda a fase de Steve Berger).



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