José Eduardo Agualusa

José Eduardo Agualusa

"Acredito que a humanidade tem evoluído. Hoje já não existe escravatura legal. Já não se queimam bruxas – legalmente. O apartheid acabou. Um dia acabarão os exércitos e as fronteiras". Entrevista com o autor de “A Vida no Céu”

Um “romance para jovens e outros sonhadores”. É desta forma que nos é apresentado “A Vida no Céu” (Quetzal, 2013), o novo romance de José Eduardo Agualusa, estacionado numa nuvem a muitos metros do solo entre o desejo de aventura e o alerta ecológico.

Depois de um imenso dilúvio, que ocorreu três décadas antes do tempo presente do livro, apenas 1% da humanidade conseguiu escapar ao inferno e ascender ao céu, e não necessariamente pelas boas acções praticadas. Os ricos construíram dirigíveis e montaram cidades que se parecem com condomínios de luxo. Os pobres improvisaram balões, juntando-se em grupos e formando aldeias flutuantes. Carlos Tucano, o narrador desta história, é um rapaz de dezasseis anos nascido na aldeia de Luanda, longe do cheiro a terra molhada e de árvores gigantescas. Quando o seu pai cai de uma das balsas, todos acreditam que tenha morrido. Todos menos ele, que decide procurá-lo, numa epopeia que o vai levar à cidade aérea de Paris e a conhecer personagens como uma curandeira profissional, um pirata indonésio, um navegador solitário cego e Aimée, uma jovem rebelde que lhe vira o coração do avesso.

Conversámos com José Eduardo Agualusa sobre “A Vida no Céu”, ficando a vontade de reservar um quarto no primeiro dirigível-hotel a ser construído nos tempos vindouros.

José Eduardo Agualusa

O tempo morto é mais verdadeiro que o tempo novo? Ou, por outras palavras, as relações humanas eram mais verdadeiras antes deste boom tecnológico?

As relações não são mais verdadeiras ou mais falsas por se expressarem através de um meio ou de outro. Porque haveria mais verdade numa carta do que num e-mail? Há a verdade ou a mentira que cada um põe nessa carta ou nesse e-mail. O que mudou foi a velocidade da comunicação.

Depois do Grande Dilúvio e na falta de madeira, o papel é fabricado através de algas e tecidos velhos. Nestes tempos em que o livro físico vai dando lugar ao formato electrónico, há aqui uma homenagem ao livro físico? E conseguirá o livro em papel sobreviver, tornar-se uma espécie de vinil das letras?

É preciso algum optimismo para dizer que o vinil sobreviveu. O papel sobreviverá enquanto não houver um suporte melhor. Eu gosto muito de livros em papel, mas não gosto de todos. Gosto daqueles que são cuidados. A maioria não é. A maioria dos livros que vemos hoje nas livrarias são produtos feios e descuidados, feitos à pressa. Além disso o papel de que são feitos, papel ácido, não dura mais de setenta anos. São produtos muito efémeros.

Parece haver aqui um elogio à pobreza ou, pelo menos, uma descrição de certa forma estereotipada dos ricos que, segundo o protagonista, “padecem de um tédio infinito”. Os pobres são os bons e os ricos são os maus?

Obviamente não. De resto os “vilões” neste livro são os piratas – que não vêm desse mundo dos ricos. Embora, a bem dizer, não existam propriamente maus ou bons, existem pessoas que cometem erros e acertos. É curioso pensar que nas religiões africanas, como o candomblé, não existe essa dicotomia bons-maus, como no pensamento cristão. Os deuses africanos são ao mesmo tempo bons e maus. Acho que eu sou muito mais dos terreiros do candomblé do que do pensamento cristão.

Achas mesmo que poderíamos ter desempenhado um papel importante na história da aviação mundial se D. João V investisse tanto no desbravamento do céu como o fazia com a paixão pelas freirinhas?

Sim, claro que sim. Embora esse exercício seja totalmente inútil.

É curioso que, num mundo pós-dilúvio e assente sobre as nuvens, o facebook continue a ter a importância que tinha quando se vivia uns andares abaixo. Como é a tua relação pessoal com as redes sociais, que uso fazes delas?

Tento que me sirvam, ao invés de estar eu ao serviço delas. Há pouco referi a vantagem da rapidez, mas há muitas outras. A Internet democratizou a informação. Mas também traz ameaças e nos últimos dias algumas delas tornaram-se muito óbvias. Mais uma vez é uma luta entre utilizar um determinado instrumento para o bem ou para o mal.

Podemos viver sem Internet? No livro fala-se disso como navegar às escuras.

É possível navegar às escuras. Mas se temos esse instrumento extraordinário vamos aproveitar.

Poderá o livro ser lido como uma metáfora à impossibilidade da mudança? É que, mesmo depois de uma desgraça imensa, o homem continua a cometer os mesmos erros que cometia anteriormente.

Continua a cometer erros, e, ao mesmo tempo, continua a haver gente que combate e tenta corrigir esses erros. Acredito que a humanidade tem evoluído. Hoje já não existe escravatura legal. Já não se queimam bruxas – legalmente. O apartheid acabou. Um dia acabarão os exércitos e as fronteiras. Temos evoluído, ainda que com muitos erros.

É possível para os pequenos paraísos da terra subsistir sem o turismo?

Esse não é o desafio. O desafio é subsistir e prosperar com turismo. Um excelente exemplo é o Botswana, um paraíso que conseguiu prosperar – não obstante a epidemia de Sida – com uma política inteligente de turismo.

No futuro a nossa casa será construída no céu?

A nossa não sei. Mas já existem projetos para uma rede de Dirigíveis-Hotéis. Eu tenciono aproveitar essa possibilidade. Quero ver a paisagem.



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