Memória de Peixe @ Culturgest (16.04.2025)
Santíssima trindade: som, luz e imagem.
A música impregnada de personalidade que os Memória de Peixe nos trouxeram com o seu “III”, é peça fulcral, no entanto a imagem e a luz também desempenham um papel crucial na criação de uma narrativa visual, como ficou bem patente.
No palco do Auditório Emílio Rui Vilar, para além de Miguel Nicolau (guitarra), Filipe Louro (baixo) e Pedro Melo Alves (bateria e electrónica), estão presentes Bernardo Tinoco, no saxofone alto, e João Hasselberg, nos teclados e electrónica, a prestar um auxílio precioso na tarefa de criar a componente sonora da narrativa. Narrativa que é introduzida por João Pedro Mamede, com a cortina corrida e um foco de luz sobre si. Regressará para mais um par de vezes, para ligar os pontos, questionar e semear a dúvida.
O palco é um laboratório sonoro. A banda dispõe-se em redor de um tubo; máquina do tempo ou cápsula de hibernação (esta última é tentadora); fumo vindo do palco invade a plateia, como um sentimento distópico que se instala de uma forma sub-reptícia. O trabalho de luz e imagem que se segue é sublime, na forma como se encaixa nas canções dos Memória de Peixe e as complementam e projectam.
«Peacemaker» e «Good Morning» surgem cristalinas, com todos os sons que a integram a coexistirem. Se o jazz de «3:13» nos levita pela atmosfera, no momento seguinte submergimos para o fundo oceânico, com um extraordinário efeito de luz a romper pela agitação de um corpo de água ao som de «Under the Sea». Enquanto isso, na máquina do tempo (vamos acreditar que sim) vão desfilando hologramas de animais marinhos. Voltamos a emergir e escutamos pássaros numa floresta. «Coincidentia» traz elementos de jazz polvilhados com muita experimentação. Cada canção é como a cena de um filme, onde nós desempenhamos um papel secundário, mas importante, como testemunhas do que ali acontece. Para memória futura.
Segue-se um novo interlúdio com João Pedro Mamede, onde a palavra volta a chegar-se à frente. “É aqui que os mortos despertam.”, ouve-se a dado momento. Depois algo se aproxima. Parece feroz de início. Rosna talvez. Mas depois há um engasgo. O feroz passa a um ressonar. Houve-se um alarme. Somos confundidos. «Not Tonight».
A banda permanece num semi círculo, sempre voltados para dentro. Sem nos encarar. Isso está a cargo da música. Até ao final temos os magníficos arranjos orquestrais de «Good Night» que nos infundem de esperança, por um novo dia. Escutamos o som de chuva que nos embala e um cubo halográfico surge primeiro na máquina do tempo e pouco depois tem a sua manifestação física, suspenso sobre o palco, com dois incisivos focos luminosos, num magnífico trabalho de Ângela Bismarck, a exigirem a nossa atenção.
O interlúdio final, sinaliza o final da transmissão, ou talvez não. Encerramos ao som de «Golden Fiasco», com o slow que merecemos, enquanto rolam os créditos ao fundo do ecrã. Literalmente. Até este momento os aplausos foram escassos; é que estávamos embrenhados no filme, mas eis que chegue o momento para a enorme e longa ovação que se seguiu. Indubitavelmente merecidíssima.
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