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NOS Primavera Sound 2022 | Dia 1 (09.06.2022)

Foi uma eternidade. A dado momento muitos se terão questionado se os festivais voltariam a acontecer, pelo menos com normalidade e a resposta começou a ser dada no Primavera Sound. O primeiro dia, na Quinta-Feira, foi dia de records. Record de público e com isso mais de filas, se bem que as coisas nunca tenham deixado de fluir. O recinto também sofreu alterações de forma a ganhar mais área, com o palco Cupra a crescer em tamanho, relativamente aos anos anteriores, e com bancadas.

São 17h quando os Throes + The Shine sobem ao palco Super Bock, vizinho do palco NOS. Foi o início de um exorcismo colectivo, de bandas, públicos e técnicos. Um concerto dos Throes + The Shine é sinónimo de festa. Do Tejo ao Douro. Do Porto a Luanda. O rock +  electrónica + kuduro foi o rastilho perfeito para o começo de festa, com Mob Dedaldino a controlar a festa do início ao fim, com a direito a descida do palco para dançar com o público, porque “todos nós queremos a felicidade”.

No palco Binance os Penelople Isles pegavam nas guitarras, enquanto nos deslocamos para o Cupra, no outro extremo do recinto, onde os DIIV se preparavam para actuar perante uma plateia cheia. “Oshin” continua a ser a referência para uma grande parte dos presentes e dúvidas persistissem, são dissipadas com os primeiros acordes de «Doused». O álbum faz 10 anos (!) e a data será assinalada com um streaming onde será tocado na íntegra, como Zachary Cole Smith faz questão de explicar. Em palco os norte-americanos apresentam-se com um shoegaze mais musculado que o habitual e mostram-se honestamente surpreendidos com a quantidade de público que ali estão para os ver.

No palco de NOS Stella Donnelly preparava-se para espalhar charme e simpatia, sem nunca deixar de passar mensagens que nos dias de hoje se mantêm infelizmente demasiados atuais, como é o caso de «Boys Will Be Boys», que nos deixa sempre com um nós na garganta. “Why was she all alone / Wearing her shirt that low?” / They said, “Boys will be boys” / Deaf to the word “no”. O concerto arranca com Stella Donnelly, só e de guitarra em punho, a anunciar que não está habituada a palcos tão grandes, antes de se lançar a «Mechanical Bull». «Seasons Greetings» marca a entrada da banda, sempre com boa disposição. Pelo meio há tempo para escutar duas canções novas, «Flood», em primeiro lugar e, alguns minutos depois,«Lungs», num registo mais upbeat. Na recta final escutamos ainda um cover de para «Love Is In The Air» de John Paul Jones e «Die» tem direito a coreografia que ao longo dos anos tem vindo a ser refinada e que actualmente inclui um pino de Stella Donelly. Tudo certo e um concerto perfeito para um final de tarde muito agradável no Parque da Cidade do Porto.

Dizer que as expectativas não estavam altas para o concerto de Nick Cave & The Bad Seeds seria estar a mentir, pura e simplesmente. A plateia salivava há muito por este regresso e quando Nick Cave, Warren Ellis e os restantes Bad Seeds entram em palco, tem início algo que ficará gravado na memória de muitos. Sem lamechices, frontal, cru, directo, olhos nos olhos e com o coração, ora nas mãos ora num aperto. Assim foi o concerto.

O arranque é feito com «Get Ready for Love» e «There She Goes, My Beautiful World», perfeito para pegar fogo à plateia. Duas canções volvidas e há sorrisos, lágrimas e respirações bem ofegantes. “Just breathe. Just breathe. Just breathe.”, iria Nick Cave repetir inúmeras vezes daí em diante, com constantes descidas à plateia, porque não havia outra forma de estar. A necessidade de nos olhar nos olhos, de agarrar as mãos, tudo num estado de sinceridade pura, de partilha daquele momento. “Just breathe. Just breathe. Just breathe”. Tem de ser.

Segue-se «From Her to Eternity», com as palavras a trespassar-nos como facas. «O Children» é gospel de esperança. “O children / Lift up your voice, lift up your voice / Children / Rejoice, rejoice”. E que maravilha o trio de vozes que acompanha Nick Cave e os Bad Seeds. Mas nada nos poderia preparar para a sequência que se seguiria. «Jubilee Street» arranca-nos um sorriso a cada verso. «Bright Horses», com Warren Ellis a mostrar o seu fantástico falsete, é sobre encarar a perda de frente e como viver com ela. Em «I Need You» a dor é palpável entoada por Nick Cave. «Waiting for You» é difícil de colocar em palavras. É avassaladora, incrível. Sentimo-nos tão pequenos quando escutamos aquelas palavras, “Waiting for you, waiting for you / Waiting for you to return / To return, to return”. E ao mesmo tempo somos uns felizardos.

«Carnage» é o tema título do álbum de Cave e Ellis e mostra-nos outra densidade, uma faceta do trabalho  que Cave e Ellis nos deram a conhecer. «Tupelo» leva-nos à terra Natal de Elvis Presley. «Red Right Hand», com um pequeno twist na letra é entoada em uníssono e tons vincadamente avermelhados. Se é a mão de Satã ou mão castigadora de Deus que nos julga, ficará ao critério de cada um. Não há descanso na cavalgada incessante que é «The Mercy Seat».

As canções sucedem-se e Nick Cave continua a descer até nós, devotos ali presentes. Olha-nos nos olhos e sabemos que por um breve instante os nossos olhares se cruzam; é uma fracção de segundo mas de preciosa partilha comunhão. Seguem-se «The Ship Song» e belíssima «Higgs Boson Blues». Já «City of Refuge» trás o coro (merecidamente) para a frente do palco, que por ali continua para «White Elephant», por ventura a canção maior de “Carnage”. Com um crescendo contido, que vai adiando aquilo que parece inevitável, para depois levar tudo à frente como um rolo compressor.

O encore traz Nick Cave ao piano e um pedido para o acompanharmos. É «Into My Arms» e juntos, oramos. «Vortex» é dedicada a todos nós e a fechar, «Ghosteen Speaks». No final deste turbilhão intenso de emoções apenas uma certeza: somos pessoas diferentes do que éramos, quando o concerto teve início.

Após o que aconteceu no palco NOS, o concerto seguinte teria de ter um registo diferente e Caroline Polacheck dá a resposta ideal no palco Binance. Os Chairlift fazem parte do passado, embora ainda existam alguns resquícios nas canções de Polacheck que, no entanto, há muito vem traçando a sua identidade, refletida num espectáculo completo a nível de cenografia, luz e coreografia. Depois há o “detalhe” da voz de Caroline Polacheck; perfeita e cristalina. Por último, mas não menos importante: há fãs, muitos fãs com Tame Impala a atuar ali ao lado. O alinhamento centra-se, naturalmente sobre “Tang”, mas há também espaço para escutar «Smoke», uma canção nova e um cover delicioso para «Breathless» dos The Corrs, que soa melhor do que o original (eventuais fãs que perdoem a eventual heresia aqui cometida).

Podem encontrar o texto do segundo dia de Festival aqui.

Podem encontrar aqui os textos do segundo e terceiro dia de Festival.



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