NOS Primavera Sound 2017 (09.06.2017)
O final de tarde no Porto foi caótico no que ao trânsito diz respeito. Os Pond já estavam em palco quando chegámos. A influência de Kevin “Tame Impala” Parker é por demais evidente nas canções que desfilam sobre o Palco NOS, sempre com o psicadelismo como pano de fundo. O final de tarde é propício a banhos de sol, estendidos sobre as toalhas da praxe, este ano num xadrez amarelo e branco. É uma actuação curta mas segura e permitiu à banda apresentar algumas canções novas, antes de fechar com «The Weather»… “Ghosts are only negative space”.
Os Whitney sobem ao palco praticamente sem quaisquer horas de sono. Ossos do ofício poderão alguns dizer. A verdade é que a prestação do colectivo norte-americano é imaculada. Revelam-se extremamente eficazes na sua fórmula que combina rock, soul e elementos do country, com a voz muito peculiar do baterista e vocalista, Julien Ehrlich, ex-Smith Westerns. O concerto teve por base o tão bem aceite “Light Upon the Lake”, lançado em 2016. No alinhamento não faltam canções como «Polly», «No Woman» (o cover dos Lion) ou «Golden Days». Nestas canções todos contribuem; todos os instrumentos têm o seu espaço. Há até também tempo para Ambrose Kenny Smith, dos King Gizzard & the Lizard Wizard, dar uma perninha na harmónica.
Este parágrafo é escrito por um admirador confesso da Angel Olsen. É importante ter isso em conta. O concerto oferecido pela norte-americana foi magnífico. Não se optou pela via fácil no que ao alinhamento diz respeito, não tendo qualquer receio em arriscar com as canções mais calmas e introspectivas, onde a sua voz e presença podem brilhar. O foco esteve maioritariamente em “Woman” mas “Burn Your Fire For No Witness” também marcou presença. Ao todo foram nove as canções que Olsen nos ofereceu. «Shut Up Kiss Me» foi deliciosamente provocadora. «Give It Up» é amor e ódio ao mesmo tempo. E depois o que dizer das interpretações de «Sister», «Woman» e «Windows»? Intensas. Profundas. Magníficas. Para ser perfeito o espaço teria de ser menor mas… “Won’t you open a window sometime?”.
Antes de Bon Iver começar, foi necessário comer qualquer coisa. E muitos pensaram o mesmo. O resultado foram, naturalmente, filas intermináveis. Ao lado, no Palco Pitchfork, Nikki Lane mostrou a América mais profunda. No palco Super Bock, os Teenage Fan Club destilavam rock. Já os Swans, destruiam tudo à sua passagem através de ondas sonoras.
O concerto de Bon Iver teve duas partes distintas, uma primeira focada em “22 A Million” e uma segunda, que incidiu sobre o restante reportório. Perante uma plateia imensa, ou não fossem eles os responsáveis pela lotação esgotada, o alinhamento do concerto seguiu o do álbum. Ao todo foram sete as canções de “22 A Million” com que nos presentearam nesta fase inicial: «22 (Over Soon)», «10 (Death Breast)», «715 (Creeks)», «33 “God”», «29 Strafford Apts», «666 (Upsidedowncross)», «21 (Moon Water)». Todas interpretadas de forma imaculada e perante um público que os recebeu de braços abertos. A noite quase sem vento também ajudou, para o som se apresentar sem falhas nem flutuações, o que permitiu absorver toda a força e pormenores destas canções. «Perth» foi a oitava canção, a primeira visita a “Bon Iver” e arrancou muitos sorrisos. Deste álbum foi ainda possível escutar «Minnesota, WI», «Towers», «Holocene» (soberba) e «Calgary». E quando julgávamos que “For Emma, Forever Ago” ia ficar de fora, eis que surge «Creature Fear», um portento, que começa com um rendilhado quase country e depois avança pelo crescendo que a caracteriza e a torna tão única, para desaguar numa distorção que parecia querer lutar taco a taco com o Swans, ali ao lado no Palco. . “So ready for us / So ready for us / The creature fear”. O encore ainda nos reservava uma surpresa, com apenas Justin Vernon em palco, para interpretar «Skinny Love», simples, despida e minimalista como deve ser. Saímos dali de coração cheio.
A visita ao Palco Pitchfork para ver um pouco da actuação de Julien Baker foi realmente de médico. Porque ao mesmo tempo, Bon Iver tocava no Palco NOS. Eram poucas as pessoas a assistir ao concerto, mas o que faltava em corpos, havia em entrega. Durante as três canções a que assistimos, vimos uma pessoa depositar o seu coração nas nossas mãos. E nós fizémos o mesmo. Julien Barker estava só em palco, apenas com a sua guitarra. No ecrã de fundo estava uma enorme bandeira LGBT projectada. Há tempo para escutar «Everybody Does», «Vessels» e a tremenda «Rejoice». Canções tristes mas com uma alma imensa. Sobre perda e dor, mas também sobre saber acreditar e demonstrar gratidão, como é o caso de «Rejoice». Sentimo-las no osso.
Hamilton Leithauser é uma homem feliz. Isso é evidente. Pela sua postura, pela forma como comunica e pela forma como aborda as suas canções. Já tinham passado alguns anos desde o último encontro e estava na hora de se matar saudades. Foi isso que se fez; um reatar nesta ligação de amor que existe entre Leithauser e o nosso país. Como imagem de fundo temos um quarto, com a cabeça de uma pessoa deitada e ao fundo duas enormes janelas abertas para o mundo. E é fora dessas janelas que tudo acontece; vemos estrelas e prédios que descem (ou seremos nós?). É uma forma de dizer, não fiquem fechados em casa, vivam. Um dos bons momentos da noite foi a interpretação de «A 1000 TImes», do seu álbum com Rostam, cantado em coro por muita gente. “A thousand times, a thousand times / I’ve had that dream a thousand times”.
Os King Gizzard & The LIzard Wizard para uns foram uma surpresa e para outros nem tanto. A verdade é que foi um concerto e tanto no Palco. . Lá estava Ambrose Kenny Smith, que algumas horas antes tinha feito a perninha com os Whitney, juntamente com a sua banda a dar uma lição do que pode e deve ser um concerto ao vivo. Rock e blues em que o psicadelismo é a palavra de ordem. Se os Tinariwen fossem australianos poder-se-iam ter chamado King Gizzard & The Wizard Lizard. Os sete rapazes vindos dos antípodas, vivem para isto. Entregam-se de corpo e alma às suas canções e reflecte-se na forma com o público os abraça de volta; muito e intensamente. O concerto torna-se uma celebração memorável (mais uma!) das muitas coisa boas que NOS Primavera Sound nos oferece. Há corpos suados, cansados e felizes.
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