PHARMAKON @ ZDB (03.05.2017)
A natureza do instinto animal faz com que nós, seres humanos, tenhamos como princípio evitar o que é desconfortável. Fugir do que nos traz ansiedade. Dizer não ao que nos incomoda. Pôr as ervilhas na borda do prato. O que nós queremos é calma e felicidade. Então qual o porquê da sala esgotada nesta noite de quarta-feira? Um concerto de Pharmakon é mais do que a violência em forma de ruídos mecânicos com vida e quase viscerais que nos deixa no limite do que é suportável – funciona também como uma injeção de adrenalina obtida quando ganhamos coragem e enfrentamos os nossos medos.
Margaret Chardiet apresenta-se no mesmo espaço onde há 3 anos cancelou a presença, devido à remoção urgente de um quisto que a deixou hospitalizada durante semanas e perto de uma disfunção múltipla de órgãos. Desta vez, e de boa saúde, o regresso a Portugal justifica-se pela a apresentação de “Contact”, album que explora os momentos em que a mente se liberta e transcende o corpo. “Contact” partilha a data de lançamento com a celebração dos 10 anos do projecto, o que torna Pharmakon um dos nomes mais conceituados do experimentalismo e da manipulação do ruído como forma de arte.
Fora uma mesa que alberga o material, as luzes vermelhas apontadas ao palco (mantêm-se ligadas até ao final do concerto) são o único adereço utilizado. Margaret entra discretamente em palco, e de cabelo penteado prepara meticulosamente o que aí vem. Sem aviso prévio dá-se o rasgo que lança o pulsar lento e embalante de «Transmission», que se transforma no pulsar rápido e lacerante e que acelera a figura que se encontra em palco. É a partir deste momento que não é Margaret que se encontra entre nós.
A transformação está feita. O corpo que agora corre de um lado para o outro, programado para operar de forma irregular e objetiva, entra audiência adentro. A invasão do espaço é um convite obrigatório ao universo de Pharmakon, que Margaret construiu como o um espelho puro e cru do que lhe vai na alma. Os gritos entregues individualmente na cara de vários elementos da audiência são imperceptíveis. Se fossem pedidos de ajuda, a inércia e inação de quem os recebe é desconcertante, mas a mensagem é clara – são na verdade um convite ao seu universo. E é um convite bem aceite. A terceiro e última música do concerto é «No Natural Order», última faixa de “Contact”. O sentimento de ansiedade intensifica-se quando os uivos já são completamente abafados pelas crescentes camadas sonoras, enquanto Margaret se confronta fora do palco, já de cabelo despenteado.
Pouco mais de meia hora depois de ter começado, quebra-se o frenesim sonoro. A terapia de grupo termina com a libertação da tensão em unissono, não só a acumulada nesta noite mas também a de uma vida, acompanhada deu uns fortes suspiros e de alguns impropérios. São concertos destes que nos ficam na memória e nos deixam orgulhosos em sobreviver (e viver). A intensidade e o espetáculo de Pharmakon é um fenómeno, e a compra de vinis e merchandise no final mostra bem isso. Quem sabe, um bom presente para o dia da mãe.
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