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Tiago Sousa

Criou e encerrou uma netlabel mas continua a acreditar que as mesmas "fazem cada vez mais sentido". Conheçam a vida de Tiago Sousa pós-Merzbau. Pianista entre o antigo e o contemporâneo.

A Merzbau e Tiago Sousa

A última vez que falamos com Tiago Sousa aqui na Rua de Baixo não estávamos muito satisfeitos com ele. Afinal, ao fim de cinco anos a dar-nos música, Tiago Sousa havia decidido encerrar a Merzbau, a sua prolífera e estimulante netlabel. Durante a nossa conversa, ele deu-nos as suas justificações – válidas, todas elas – e que, basicamente, passavam por uma questão de “prioridades”. Afinal de contas havia um novo disco à porta, intitulado “Insónia”, com o selo da Humming Conch e que Tiago Sousa queria “lançar e promover bem”. Agora, que já o temos nas mãos e já o ouvimos vezes sem conta, percebemos completamente as suas razões para encerrar a Merzbau.

Tiago Sousa, natural do Barreiro mas a residir actualmente em Lisboa, confessa que, pelo menos até ao momento, “está a valer a pena” essa maior dedicação à sua própria música, que lhe permite “mais tempo para desenvolver a técnica, as ideias para o futuro e o domínio do piano. Ia ser cada vez mais complicado equilibrar ambos”, realça, recordando a nossa conversa há meio ano atrás. Até porque reconhece ser-lhe “cada vez mais essencial tocar”. Por isso, garante não estar arrependido com a decisão.

O piano e Tiago Sousa

Para além da Merzbau, Tiago Sousa também era conhecido como o baixista das bandas indie, Goodbye Toulouse e Jesus, The Misunderstood. Agora vemo-lo atrás dum piano e com a pop como uma miragem mais longínqua.Tiago Sousa explica que a sua relação com o piano é “antiga”, tendo começado com a sua avó, pianista e professora, que lhe deu aulas e o incentivou a tocar quando era pequeno. No entanto, durante aquilo que chama de “idade da prateleira”, Tiago Sousa afastou-se das cordas do piano para as cordas do baixo, que lhe permitiam aproximar-se mais do rock, que era o que lhe interessava na altura.

Contudo, chegou o momento em que começou a sentir que o que fazia “estava muito colado” às suas referências. “Era difícil fazer algo mais individual”, recorda. E, perante este dilema criativo, o piano reluziu como chave do problema. Assim, voltou a dedicar-se ao piano e hoje a sua avó é “uma ouvinte muito orgulhosa”. Mesmo que Tiago Sousa não seja o virtuoso que se calhar esperava que ele viesse a ser. Nem pretende ser, sublinha.

A música clássica e Tiago Sousa

“Insónia” é um disco de piano, mas não um disco de música erudita. Apesar de ser um instrumento clássico, Tiago Sousa utiliza-o como elemento transgressor, aproximando-o de territórios mais contemporâneos. O próprio confessa “algum receio” que a sua música seja enquadrada como erudita, o que pode levar a lamentáveis equívocos. É antes uma “música muito despegada, mais experimental e com influência da música antiga mais contemporânea e marginal”, refere, fazendo a ressalva de que, no entanto, “pouco importa o rótulo”.

É verdade, pouco importa essa rotulação, mas não deixa de ser uma questão pertinente, quando vemos “Insónia” aparecer na secção clássica, na alternativa ou na experimental nas mais variadas publicações onde já foi comentado. Isto demonstra o que tentávamos explicar: a música de Tiago Sousa é uma música que não se confina aos limites convencionais das catalogações recorrentes. No livreto do teatro Maria Matos, em que apresentava o recente concerto que Tiago Sousa lá deu, podia-se ler que era uma música com “uma particular atracção pela indefinição, pela ambiguidade, como se as regras vigentes pudessem ser alteradas a qualquer momento, criando uma ilusão momentânea de que habitamos algo de novo e único”. Gostávamos de ter sido nós a escrever isso.

As palavras de Tiago Sousa fazem-nos concordar com essa descrição de “Insónia”. O músico barreirense explica que a escolha desse título – assim com os dos discos anteriores, “Crepúsculo” ou “Noite/Nuit” – tem a ver com “as ambiências criadas e uma certa ambiguidade”. E enquanto “Crepúsculo” comportava uma “noção de transição”, em que Tiago Sousa estava a experimentar uma nova estética, mais numa de ver onde o levava, “Insónia” pauta-se por “uma certa sensação onírica e uma linha ténua entre o “transcedentalismo”.

O idealismo e Tiago Sousa

Actualmente, se o vir ao vivo, certamente ouvirá algumas peças novas que (ainda) não estão registadas em disco. Uma é «The Walden Pond’s Monk» e a mais recente chama-se «Samsara». Em comum, para além do código genético de “Insónia”, está o facto de espelharem a ideologia do Tiago Sousa músico. Comecemos pela primeira.

Como o título indica, «The Walden Pond’s Monk» é um arranjo para piano baseado livremente na vida e obra do autor norte-americano, Henry David Thoreau, conhecido tanto pela sua faceta naturalista (“Walden”, o seu livro mais famoso, é um ensaio sobre a vida simples cercada pela natureza), como pela sua convicção anarquista por uma desobediência civil individual, enquanto manifesto contra um status quo injusto e institucionalizado. Tiago Sousa revela que essa sua referência a Thoreau é uma afirmação artística com “propósitos estilísticos e afirmação estética”, que acaba por rimar com a essência da sua música. Tiago Sousa considera que Thoreau “toca no ponto nevrálgico” da sua música, que “tenta ser o mais humilde e simples possível, sem maneirismos estilísticos”.

Por sua vez, «Samsara» é uma peça à semelhança do conceito budista para o ciclo da vida e da morte. Numa existência em que a roda da vida é encarada como a principal razão de sofrimento do Homem, a tentativa de alcançar um estado de percepção puro, em que seja possível travar essa roda, “permite uma compreensão acima da racionalidade humana”. «Samsara» é uma “abordagem musical mais livre e abstrata, que conduz pelos altos e baixos da linha da vida até à apoteose final”. E, ao mesmo tempo, é uma “constatação pessoal” da própria vida em si.

Estas peças podem vir a ser gravadas “mais cedo do que estava a pensar”, revela Tiago Sousa. Até porque, uma vez que não anda a tocar ao vivo “tanto quanto gostava”, faz com que vá trabalhando em outras coisas. No entanto, uma coisa é certa: também esses álbuns manterão a sua afirmação estética, ao confessar que não lhe interessa gravar em estúdio. “Gravar com o mínimo de meios possível, para captar a espontaniedade”, sublinha. A ideia é ir para uma sala que tenha um significado especial e gravar em take directo, recusando qualquer artificialismo.

Também o suporte de gravação reforça essa atitude artística. No entanto, aqui Tiago Sousa não é tão rigído. Se pudesse, lançava apenas em vinil, enquanto “objecto de culto” e em detrimento da impessoal caixinha de plástico do cd, mas Tiago Sousa reconhece que tem de saber jogar com a indústria. E numa netlabel? “Claro que sim”, responde prontamente, lembrando que já o fez com “Noite/Nuit”, por exemplo, split com a pianista francesa SRX e com o selo da Merzbau, de 2007. “As netlabels fazem cada vez mais sentido, porque é um formato livre e mais próximo das pessoas”, refere, destacando ainda que torna mais fácil o reconhecimento junto de cada vez mais pessoas dos artistas. Por isso, não é de estranhar que “Insónia” esteja protegido com uma licença Creative Commons. “Actualmente, não faz sentido confinar a música ao suporte físico”, afirma Tiago Sousa. Por isso, de uma forma ou de outra, Tiago Sousa continua a dar-nos música.



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