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TOMARA | Entrevista

A propósito da edição de “Avalanche”, segundo álbum de TOMARA, o nome de palco de Filipe C. Monteiro, conversámos com o músico, produtor e realizador. Sobre a música e o que a rodeia.

Rua de Baixo (RDB): “Avalanche” marca o regresso de TOMARA às edições, depois da estreia em 2017, com “Favourite Ghost”. Pelo meio muito aconteceu quer a nível pessoal, quer a nível profissional, certamente. Este álbum foi algo “premeditado”, uma “necessidade” ou foi um disco que foi simplesmente ganhando forma ao longo destes períodos conturbados?

TOMARA (T): O disco começou a ser escrito como um prolongamento natural do “Favourite Ghost”. Mas, entretanto, com tudo o que foi acontecendo, com a pandemia e os lockdowns, o rumo foi mudando e a “Avalanche” acaba por ganhar uma forma final que só teria sido possível depois de atravessados todos esses eventos. Em 2018/2019 tinha um ponto de partida claro para o que seria o meu 2º disco. Olhando agora para trás, algumas ideias mantiveram-se intactas, outras ganharam novas direcções. O facto de o disco ser em português, por exemplo, é algo que só aconteceu devido ao contexto. Não foi premeditado.

RDB: A primeira coisa que salta logo ao ouvido é a escolha pelo português, em detrimento do inglês, e que resulta muito bem, diga-se (sem qualquer desprimor pelas canções em inglês). É bom ouvir cada vez mais artistas a abraçar a nossa língua, que tem tantas palavras bonitas à espera de serem cantadas. Dizias no comunicado de imprensa que o “português confere assertividade às canções”. Foi algo que “saiu” naturalmente?

T: Não diria “naturalmente” porque isso poderia soar a algo sem esforço ou sem trabalho. Quando decidi que o disco seria em português (depois de ter escrito a canção “Dias a Mais”) fiz uma pausa. Precisava de tempo para perceber como trazer o português para a minha música. A nossa língua é mais específica que o inglês, temos muito mais palavras para cada coisa particular. Naturalmente, também ouvimos o português com uma atenção diferente. É a nossa língua. Por isso perdi (ou ganhei) algum tempo a ponderar como seria o português na minha música, que não queria que deixasse de ser contemplativa. Qual a dose certa de abstracção que queria nas minhas letras, qual o tom certo para cada canção. E esse processo fez-me descobrir novos caminhos na minha música e deu-me muito a conhecer sobre mim como cantor, sobre a minha voz.

RDB: Também é notória uma mudança na sonoridade, em especial com a introdução de um componente electrónica, que acaba por enriquecer as tuas canções. O que te levou a seguir este caminho?

T: A música electrónica sempre fez parte da música que eu gosto. Mas, de alguma forma, até aqui sempre me tinha autocensurado a trazer isso para o universo de TOMARA. Não sei porquê. Talvez por considerar que não havia lugar para a electrónica num projecto que eu sempre imaginei como algo muito orgânico, contemplativo, cinematográfico, meio onírico e idílico. Entretanto, em 2019, fiz uma residência artística com a Surma e o Tiago Bettencourt para o Festival Impulso. A ideia era juntarmo-nos durante uma semana a fazer música sem rede e apresentá-la depois no Festival. E houve alguma coisa muito catártica nessa experiência. Nenhum de nós colocou qualquer barreira estética naquela experiência. Entregamo-nos de corpo e alma àquilo sem qualquer ego. E o resultado foi incrível. E quando dei por mim percebi que a maior parte das coisas que tinha levado para aquela residência eram instrumentos electrónicos que tenho: drum machines, synths. E percebi o quanto gosto de trabalhar isso, a liberdade que me faz sentir no processo de criação. Então, a partir daí o desafio passou a ser como encarar essa linguagem em TOMARA. Como fazê-la coabitar com o lado mais orgânico da minha música. E foi esse o ponto de partida artístico para o “Avalanche”.

RDB: Para além de TOMARA, Filipe C. Monteiro acompanha outros artistas, como músico, e é produtor e realizador. Aliás, este álbum puxa para si uma forte componente visual. Primeiro, apercebemo-nos dela nos vídeos que acompanham as canções e, depois, também, na componente ao vivo. São uma parte indissociável do teu trabalho?

T: Sem dúvida. Eu acho que sou cada vez mais sinestésico na relação entre a música e a imagem. São indissociáveis para mim. Quando crio uma canção ela remete-me para um conjunto de imagens e vice-versa quando filmo algo. E acho que é uma coisa que tem tendência a agravar. Pelo menos, por agora, é o que me faz mais sentido e me dá mais gosto. Não sei como será no futuro.

RDB: “Avalanche”. Porque escolheste este nome para o título do álbum?

T: O disco acabou por ser baptizado pela canção com o mesmo nome. Quando terminei a “Avalanche”, percebi que ela continha, ou sintetizava, muito do sentido do disco. É uma canção que começa como uma insónia e quando desenvolve é uma espécie de catarse onde eu enuncio, quase como um mantra, o que me pode fazer sair desse estado perturbado. Falo de mudanças estruturais em mim, como pessoa, no meu modo de agir comigo próprio e com os outros. Essas mudanças trazem alguma dor e desafios e daí a analogia com a avalanche. A avalanche é um fenómeno transformador que, embora a associemos muitas vezes a algo trágico ou catastrófico, é fundamental e necessária para que o equilíbrio seja reposto. Não existe avalanche se a montanha viver em equilíbrio.

E é essa força transformadora, essa energia que trago para o disco. Canção após canção eu vou enunciando pequenas ou grandes mudanças que me esperam, se pretendo ser quem sou em pleno. Acho que tudo o que faço e crio é a minha forma de procurar entender o Mundo e a natureza humana, começando por mim.

RDB: “Avalanche” pode parecer curto no número de canções, mas são oito canções que respiram cada uma delas a um ritmo próprio, que levam cada uma o seu tempo, e acabam por encaixar muito bem entre si, com algumas até a aventurarem-se para além dos cinco minutos, no entanto, quando as escutamos nem nos apercebemos disso.  Quando estás a compor, tens uma ideia clara de onde queres chegar, ou acaba por ser um pouco o resultado de um processo mais orgânico?

T: 90% de intuição. O resto depois é lucidez para decidir a forma final de cada canção que faço. Eu gravo muita coisa sem rede, sem planeamento. E, quando me deixo ficar numa ideia já sei que há ali algo importante para mim. Geralmente deixo essas ideias a marinar durante bastante tempo, vou ouvindo as coisas que gravo e sei que nalgum momento vou perceber a direcção de cada canção; se é uma canção “canção”, com uma estrutura de canção, com uma duração de canção. Ou se é algo que tem de viver no universo mais instrumental, onde as fronteiras de estrutura/duração são diferentes, mais elásticas. E o que acontece muitas vezes é chegar a um resultado híbrido entre as duas coisas, talvez por hesitar em escolher um dos caminhos. Daí algumas canções chegarem aos 6 ou 7 minutos. É o tempo necessário para elas se desenvolverem e respirarem livremente.

RDB: «Ave Negra» tem na letra a co-autoria da Márcia, com quem acabas por partilhar muito de ti, naturalmente. Fala-nos um pouco sobre a canção, por favor.

T: A “Ave Negra” é a minha canção-prece. Pegando um pouco no que falei no início da entrevista, acerca da componente electrónica na minha música, há um outro aspecto associado a isso. Tem a ver com uma certa assertividade ou mesmo agressividade que faz parte de mim, enquanto homem, e que me habituei a reservá-la, sobretudo em TOMARA. O primeiro disco é muito introspectivo e contemplativo, porque é um lado de mim que me habituei desde sempre a explorar e a mostrar aos outros. Mas existem outras energias a correr-me nas veias e parte do processo de escrita e produção deste disco foi concentrado em trazer para a minha música aquilo que eu sou, por inteiro; o lado introspectivo, contemplativo e sonhador, mas também uma energia e pulsação que me faz vibrar de uma forma diferente. Imaginei por isso, nessa canção, uma prece dirigida a essa “ave negra e alva” para que me trouxesse o “sangue, o nervo e a Alma” necessários para cumprir o meu desígnio. A Márcia acabou por me ajudar muito nessa letra. Aliás ajudou-me naturalmente em todas, mas nessa em particular. Foi ela que ouviu, nas minhas primeiras demos, eu a cantar as palavras “ave negra”. Quase sempre escrevo as letras assim. Começo por trautear livremente melodias, palavras ou sílabas que instintivamente me saem. Confio muito nesse processo. E foi ela que viu, antes de mim, o que a canção significava ou veio a significar. Ela percebe-me como ninguém.

Com a Márcia eu divido o maior projecto da minha vida, que é a vida real, a nossa casa, a nossa família e os nossos filhos. Esse disco não existiria sem a presença deles na minha vida.

RDB: “Avalanche” foi recentemente apresentado ao vivo no Porto e em Lisboa. Como correram os concertos?

T: Correram mesmo muito bem. No Porto não tive a possibilidade de apresentar o concerto em toda a sua dimensão visual, por questões técnicas e logísticas. Mas no Teatro Maria Matos conseguimos fazê-lo. E foi o dia em que saí mais feliz e concretizado de um palco. Consegui finalmente juntar de uma forma indissociável a componente cénica e visual com a minha música. E o feedback que recebi depois apontou muito nesse sentido. De as pessoas se terem visto imersas, durante uma hora e meia, no Universo de TOMARA. E isso é o que me pode deixar de facto muito feliz.

RDB: Já há mais datas na calha para a “Avalanche” começar a percorrer o país?

T: Estamos agora a trabalhar nisso, findo este período de lançamento e preparação do concerto. Foram muitos meses de preparação. Já existem algumas datas agendadas, mas ainda sem dia definitivo. Estou à espera dessas confirmações para poder anunciar tudo direitinho. Vou sempre mantendo essas informações actualizadas nas minhas redes.



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