Black Bombaim | “Titans”

TRC ZigurFest | Dia #1 (30.08.2012)

O primeiro dia de ZigurFest deu-nos tarde de Alto! e noite de Gala Drop

A tarde abrasadora que se fazia sentir ontem à tarde em Lamego prometia elevar temperaturas corporais e fazer suar os mais libertinos. Mas foi à sombra do acolhedor átrio do Museu de Lamego que arrancaram os concertos do primeiro dia.

Oriundos de Lisboa, os dUAS seMIcOLCHEIAS iNVERTIDAS lançaram em 2012 o seu primeiro longa-duração em vinil, numa parceria com várias editoras europeias. São um colectivo musical camaleónico com uma sonoridade que balança entre o punk mais futurista e os ritmos jazz mais acelerados, criando um universo quase pitoresco de onde fazem parte saxofone, teclados, bateria, guitarras, baixo e, pontualmente, uma voz grotesca.

Como  o tempo da passagem de testemunho entre bandas foi considerável, aproveitou-se a onda e deu para ver o que de melhor havia em segunda mão no “Flea Market”: coisas tão  brutais como o “Light Album” dos Beach Boys a 1€, aquela camisa havaina do teu avô ou a barraca da Lovers com o Fua em frente de loja. Bonito!

Vai-se ao bar refrescar e lá chegavam a palco os primeiros barcelenses do dia.

Os  Alto!, que são já conhecidos de todos depois da presenças no Milhões de Festa e, basicamente, em todas as tainas que há por esse País fora, trouxeram ao Alto Douro a energia e a sabedoria de quem sabe regressar e fazer os bons 60’s que acabariam por contagiar o público que, lentamente, perdia a timidez e lá ia abanando o esqueleto e trepidando pernas ao som de riffs desgovernados, uma voz electrificante que mostrava o que é estar vivo e de interlúdios improvisados de fazer alguém sorrir no caixão. De pequenos a graúdos, numa plateia que não era astronómica mas estava ali para ser feliz. Diz-se até que conseguiram embalar – e bem – festivaleiros recém-nascidos que por lá curtiam.

E como era prometido pela organização, isto de vir a terras abonadas de excelência na gastronomia tem que se lhe diga. Fica aqui a dica para quando visitarem Lamego irem até à “Taska(que suponho ser da)zita”, pois lá comerão o vosso melhor pica-pau. E, a analisar pela remessa da mesa ao lado, diz que há também qualquer coisa de especial nas francesinhas desta bonita e tradicional tasca. Visitem, pois não se arrependerão!

Por volta das dez da noite abrem-se as portas do Teatro Ribeiro Conceição (que merece visita depois do jantar na Taska) para os RA + JP. Composta por Ricardo Remédio, dos setubalenses LÖbo, e João Pedro Fonseca, um jovem artista plástico da cidade, o colectivo foi a aposta da organização ao coligar os beats pausados e as melodias abstractas e hipnotizantes que saíam dos sintetizadores de RA e que ao longo da performance iam inspirando JP na sua pintura, ora rápida e violenta, ora detalhada e contorcida. Aquela que foi a grande aposta exclusiva da Zigur Artists para esta edição conseguiu alcançar dinamismo e o resultado final agradou no geral. Por último, mas de todo menos importante e até quase lamentável, foi o facto de o volume do PA estar em baixo. Um factor crucial que impediu na totalidade que o público se focasse entre o mecanismo da sonoridade e da pintura e que acabou também por impedir que esta simbiose criativa pude-se levar a plateia a criar novas paisagens sonoras e visuais.

Durante os intervalos entre os concertos, o público aproveitava para deambular entre umas cervejas no bar do TRC e trocar opiniões rápidas dos concertos no hall de entrada do teatro. E é ainda cá fora que, pouco depois, se ouvem as guitarras distorcidas em jeito de chamamento para a entrada dos fiéis. Estavam em palco os Black Bombaim, que eram talvez os mais aguardados da noite. Tójo, Ricardo e Senra são provavelmente o trio mais falado nos últimos dias depois de terem sido confirmados para aquele que, numa entrevista há alguns anos atrás, diziam ser atingir o cume das suas carreiras. Pois esperemos que não chegue esse fim, porque chegou o dia em que os Black Blombaim foram confirmados para aquele que é considerado a “meca” dos festivais underground: o RoudBurn Festival.

A banda trouxe a Lamego o seu recente e fortíssimo álbum “Titans” que conta com participações especiais de nomes como o saxofonista Steve Mackay dos Stooges, Isaiah Mitchell dos Earthless ou o português Adolfo Luxúria Canibal dos Mão Morta.

Sabia quem já os haveria visto anteriormente que este poderia ser o concerto do festival. Ver Black Bombaim já é bom por si só, mas vê-los dentro de um teatro era algo que, provavelmente, muitos de nós ansiavam há muito. E engane-se quem pense que uma banda com três elementos não é capaz de abanar estruturas. A cumplicidade é coesa e a melodia desproporcional acaba por lhes dar a simetria perfeita. Tudo encaixa entre si e sem tempo para palmas ou respirar durante as longas faixas que os caracterizam. O stoner destes barcelenses é forte e coeso o suficiente, e a banda mostra-se mais do que pronta para fazer e trazer o brilharete de Tilburg. Apesar da prestação quase intocável do trio barcelense e filhos prodígio da Lovers & Lollypops voltaram-se a repetir algumas deficiências no som. A equalização que parecia nem sequer existir, os volumes assimétricos que devem existir em certos momentos não estavam lá e, a juntar, novamente, ao fraco volume da amplificação de frente a contrariar tudo o que se pede para um concerto destes senhores, quase que víamos a coisa ir por água abaixo. Valeu, sem dúvida, a fortíssima prestação de todos os músicos, experientes e convictos das suas obras de arte. Sabemos que tudo acaba bem quando o guitarrista prolonga os riffs psicadélicos enquanto pressiona as cordas e dispara o som da sua guitarra contra o público.

Depois do ritmo imposto pelos Black Bombaim, que foram os grandes porta bandeiras da abertura do festival que até então andava meio adormecido, confrontamo.nos com o facto de os próximos senhores em palco serem os Gala Drop. Passar de um stoner progressivo para uma ambivalência sonora que vai do kraut-rock ao afro-beat foi para nós, por breves momentos, um erro fatal da organização no line up de artistas. Pois não poderíamos estar mais enganados. Os Gala Drop são Afonso Simões, Guilherme Gonçalves, Nelson Gomes e Tiago Miranda. Absolutos veteranos na cena da música experimental em Portugal, estes quatro músicos advém de bandas como: Fish & Sheep, Curia, Coclea, CoolTrain Crew, ou os enormes e regressados Pop Dell’ Arte.

A miscigenada que está diante do público é algo absolutamente enraizado em cada um dos elementos e é visível que está ali para ser absorvida e compartilhada pela plateia. Uma sonoridade que todas as vezes que é tocada parece embrionária. Tocada de uma forma sensível e, de tal forma, comunicante, que é capaz de ultrapassar resistências e extinguir fronteiras.

Fechado o primeiro dia de festival por volta da 01h00 da manhã, a festa continuou com mais alguns concertos em after-hours no “Todos à rua”. O mercado que foi montado na recém-reabilitada Rua da Olaria, mesmo ali ao lado.

No regresso a casa, há já dois claros pontos que a organização terá de rever. Um deles, a necessidade de contratarem, em edições futuras, alguém especializado em sonoplastia para fazer a equalização e o sound-check das bandas. E a outra, repensar a remoção da plateia durante os dias de festival. Acima de tudo, torna-se um impedido para quem chega ao festival e quer ouvir música e interagir com ela.



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