Aldina Duarte @ Auditório Ruy de Carvalho (03.10.2024)
Aldina Duarte e a sua leveza de existir, cantando. Um concerto belíssimo, onde a chuva lá fora se confundiu com a emoção de dentro.
Aldina Duarte, uma das vozes incontornáveis do fado na contemporaneidade, tropeçou nesta forma de arte no alto dos seus vinte anos. Foi nessa altura que quis ser fadista – apaixonou-se pelo fado e eu diria, até, que o fado se apaixonou por ela. Por entre um sem-número de projectos e de actuações, Aldina conta já com quase uma dezena de álbuns editados e lançados. No início de 2024, lançou “Metade-Metade”, o mais recente álbum da artista.
É Quinta-Feira, a noite vai acontecendo quente, mas chuvosa. Em Carnaxide, no Auditório Ruy de Carvalho, pelas 21h30, teremos o privilégio de ouvir Aldina e de aplaudir a sua leveza de existir, cantando. A sala de espectáculos encontra-se a meia-luz; o palco está sóbrio, simples, sincero. Três pequenos estrados, três cadeiras, três focos de luz, três microfones – não fosse o número três tão divino e tão primário; não fosse aquela hora e meia tão celestial.
Aldina faz-se acompanhar de Pedro Amendoeira (na guitarra portuguesa) e de Rogério Ferreira (na viola); faz-se acompanhar de um espírito sereno, presente e repleto. Mostra-se feliz – os seus olhos falam e as suas mãos criam. Agradece muito. Naquele dia, no intervalo temporal que iríamos viver, aquele “Metade-Metade” seria de todos nós, numa cadência, imperfeita ou perfeita, mas em uníssono.
O concerto começa com uma revisitação a “Tudo Recomeça” (Álbum de 2022), com a música «Auto-Retrato». A voz de Aldina é suave como a luz de uma vela que se vai movendo lentamente e, simultaneamente, é tenaz como o fósforo que acende essa mesma fonte. Então, a voz de Aldina é tudo e o seu contrário e por isso é tanto – nunca se diminiu, nunca se apaga, vai sempre crescendo, sempre aumentando, sempre criando raízes e ramos. Continuando em “Tudo Recomeça”, eis que surge o «Paraíso Anunciado» – paraíso esse onde “Sempre aberto o coração / Ilumina a noite escura”. Fomo-nos sedimentando a cada verso, a cada palavra, a cada sílaba revelada – como se aquelas fossem as primeiras e as mais perenes quadras da nossa existência. Na terceira música, Aldina recuou a 2017, ao Álbum “Quando Se Ama Loucamente”, com a música que lhe dá o mesmo nome. E a verdade é que a fadista vai amando e sentindo cada palavra dita e cantada, mediante uma expressividade tão alegre e tão disponível, que é impossível ficar indiferente. Aldina levanta-se, aproxima-se do público e canta “Estação das Cerejas” e, logo de seguida, “Antes de Quê?”.
E é na “Metade-Metade” que a noite se delonga e demora. Começando com «Primavera» e «Pisco-de-Peito-Ruivo», cantar-se-á sobre a espera e a esperança, sobre a solidão e a relação, sobre a vontade e a virtude, sobre a crença e a dúvida, sobre o aplauso e o silêncio. A partir de uma voz nada vulnerável, Aldina transmite o que de mais sensível há na essência humana – são camadas e camadas de melodias e de transições sonoras.
Eis que é o momento de Capicua subir a palco – a artista que escrevera, deliciosamente, os poemas de “Metade-Metade”. Seria a primeira vez que partilhariam esse chão fugaz, a partir de um laço que as une que é tudo menos efémero. Aldina confessa que Capicua é a artista que mais a desafiou nos últimos anos, revolucionando, até, a própria linguagem do (seu) fado. Pudemos assistir à consumação deste encontro feliz, sujeito a uma “geografia emocional” (palavras da fadista) comum, mediante a declamação da rapper de alguns dos poemas escritos para o álbum. Entre eles, «Duas Mãos», «Versículo», «A Dúvida» e «Tentativa». Que maravilha!
A artista ainda entoou outros fados, percorrendo diferentes intensidades, movimentos e variações do ser fadista. No fim, partilhou que acredita que cantar pode ajudar-nos a sermos seres mais pensantes. Por entre agradecimentos, terminou o concerto com «Aprendiza». Afinal, não seremos todos eternos aprendizes?
Muitos aplausos se fizeram ouvir. Aldina voltou para mais algumas canções. E foi um final de noite muito agradável!
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