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Da Vida à Morte – Horizontes da Bioética

Horizontes mutáveis

Diante terrenos pantanosos, é aconselhável prudência. Além de se ter tornado imprescindível ao cidadão, no que diz respeito ao controlo das práticas científicas, a bioética abrange também casos de  imiscuição na vida alheia da índole mais delicada, como também nem sempre molda as políticas de Estados multi-culturais pela via plural que é devida. Isto porque quando se trata de delimitar território, o caminho percorrido (e a percorrer) faz-se acompanhar por uma série de credos e valores morais de origem religiosa. Nesta busca filosófica, a ala conservadora tende a manifestar-se de forma decisiva. Não são questões fáceis, conseguindo por isso gerar discussões violentas entre prós e contras. Deverá ser-nos familiar, pois no âmbito da problemática bioética, alguns portugueses exerceram o seu direito democrático em referendos sobre a interrupção voluntária da gravidez.

Em momento algum Walter Osswald esconde a sua fé e a fé daqueles que o inspiram. Aliás, Da Vida à Morte – Horizontes da Bioética (Gradiva) inclui uma série de textos que servem como elogio à fé e moral cristã dos seus mestres e amigos, que de alguma forma foram responsáveis pela carreira bem sucedida do autor. Osswald não terá de prestar provas com tamanho currículo que possui: médico e professor catedrático, autor de cinco livros e mais de quinhentos artigos. De igual modo, é possível apurar de um texto de 2001, do Público, que foi “conselheiro do Papa para as questões de ética”. Os horizontes que o título sugere são, porém, mais indicadores de transformações do que de uma finitude basilar de valores.

Embora com reservas em admiti-lo, Osswald parte de fundamentos em constante mutação, seja pela sucessiva rotura dogmática de certas alas do cristianismo (como sabido, de expressão maioritária em Portugal) em prol de uma desmistificação da vida humana, bem como da constante refutação paradigmática que é o cerne do trabalho da comunidade científica. A humanidade sempre servirá o seu contexto quotidiano e Da Vida à Morte não oferece respostas suficientes para entender o porquê de ser contra ou a favor daquilo que concerne ao nosso tempo, estando até longe de provocar uma epifania. Sabe-se, no entanto, que para a maioria dos tópicos que andam à baila, Osswald é contra, seja o aborto, seja a eutanásia ou o futuro dúbio da PMA (Procriação Medicamente Assistida), entre outros tópicos de sensibilidade aguda. São traços gerais sobre o panorama português, conclusões sobre nada e um constar que há muito trabalho a ser feito. A consciencialização ética da população será deixada nas mãos dos profissionais do paradoxo, porque num universo paradoxal alguém tem de fazer o trabalho sujo. Sobre esta natureza, que Osswald assume sem rodeios, chegamos ao que de mais irrefutável tem o livro: tomar partido numa dualidade constante que se anula, de sim ou de não, é parte da irremediável condição humana e do avançar civilizacional.

Do ponto de vista editorial, Da Vida à Morte é um tanto ou quanto confuso. Certo que se tratam de vários textos acumulados pelo autor, e dada a natureza dispersa, poderá ser uma obra inexistente, daí impossível de sequenciar. A sensação é que andamos a receber as sobras do melhor que Osswald já publicou/disse. No culminar disto, um epilogo misterioso, que se lê como uma espécie de desabafo testamental, um constar do silêncio e da sua importância num mundo a poucos passos da surdez total. Porém, o silêncio é algo que o ritmo do mundo em 2014 deixou de permitir. Da Vida à Morte não será a obra de Osswald que gerará mais ruído no espaço público. Reserva apenas ao leitor uma tomada de posição, nunca desprovida de paradoxos, a favor ou contra o conservadorismo implícito.



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