Festival Músicas do Mundo 2013 | Dias 26 e 27 de Julho
“Esta merda está a rebentar pelas costuras!”
Sexta-Feira, 26 de Julho
Quem já esteve no FMM sabe que os dois últimos dias são os de “arromba”, os dias em que tudo rebenta pelas costuras e em que, invariavelmente, a um dado ponto de uma das duas noites se acaba por soltar um “Esta merda está a rebentar pelas costuras!”.
Em virtude da ausência forçada de Trilok Gurtu, devido a sucessivos atrasos no voo que deveria tê-lo trazido até Portugal, coube ao arménio Tigran Hamasyan (que deveria ter actuado com Trilok em formato duo) abrir a noite no palco do Castelo. Estaríamos a mentir se disséssemos que não houve receio com a alteração de última hora. Se Trilok já era um velho conhecido do festival sem nada a provar, Tigran era um ilustre desconhecido com tudo a provar. Começou da forma que seria de esperar, ao piano, a tocar o seu reportório e logo aí se tornou evidente o seu talento. O seu jazz soa descomprometido e em simultâneo, personalizado. É notório que Tigran tratou de pegar no género e incutir-lhe o seu cunho. De seguida começou a surpreender pelos instrumentos que introduziu; percussão, um xilofone que se encontrava dentro do piano, pedais de loop e ele próprio como human beatbox, que conferiam momentos muito estranhamente agradáveis e inesperados com hip hop e texturas electrónicas.
Em Sines Rachid Taha não precisa de apresentações. É que em 2007 foi responsável por um concerto de arromba no palco do Castelo que ficou na memória de muito boa gente. Por isso o seu regresso era um dos que era aguardado com mais expectativa. A aura de boémio é algo que é, pura e simplesmente, impossível separar de Rachid Taha. Basta olhar para ele e é nisso que pensamos de imediato: fato e camisa escura, cartola, uma gravata com um nó bem mal dado e de cigarro na boca. O concerto começa morno e tarda em descolar, só lá mais para meio é que Taha parece despertar verdadeiramente e decide dar um ar da sua graça. O som não engana; rock do magrebe (aquele alaúde é ouro naquelas canções). Mesmo a fechar surge o momento porque muitos dos que ali estavam esperavam, o cover dos Clash para «Rock the Casbah», aqui intitulado «Rock El Casbah». Saltou-se, cantou-se e aplaudiu-se e depois cada um seguiu o seu caminho. Não foi mau mas ficou a milhas do concerto de 2007. Essa é que é essa.
A fechar a noite de concertos no Castelo estavam os japoneses, Shibusa Shirazu Orchestra, cujo nome traduzido quer dizer algo como “nunca estejas composto” e facilmente se compreende o porquê. São 26 elementos em palco, que não se limitam a tocar cada um o seu instrumento. Aliás, é errado olhar para tudo isto como um concerto. Na realidade é uma performance. Há a componente musical (que vai do jazz ao ska, passando pelo funk e pelo rock). Temos uma componente teatral incontornável, com elementos quase nus sobre plataformas, raparigas com bananas gigantes em coreografias durante todo o concerto. Há inclusivamente espaço para um artista, no lado esquerdo do palco, com uma longa tela, a pintar um dragão. Há uma anémona gigante cheia de hélio por cima de nós. Há um mestre-de-cerimónias vestido com algo semelhante a um mawashi (o que os lutadores de sumo utilizam) e um robe aberto que corre e canta e berra por todo o palco. Há um maestro que é tudo menos aquilo que é habitual ver em alguém que comanda uma orquestra. É uma experiência sensorial a todos os níveis impressionante, nem sempre fácil de digerir ou até compreender mas que não nos deixa, em momento algum, ficar indiferentes. Aproveitei agora para reler as palavras que escrevi e fico com a certeza que que a descrição aqui oferecida, fica muito aquém de conseguir descrever aquilo que se passou tal a riqueza sonora e acima de tudo visual e cénica que nos foi oferecida no palco do Castelo. Um dos grandes momentos do FMM 2013.
Sábado, 27 de Julho
O último dia de concertos no Castelo começou atribulado em virtude das longas filas para entrar e do processo pouco prático (para não dizer pior) de revista feito pela GNR à entrada do recinto. Por esse motivo não foi possível assistir à actuação dos tuaregues/malianos Tamikrest.
Akua Naru é um dos novos nomes a surgir na cena do hip-hop mas no palco do Castelo mostrou-se parca em ideias de tal forma que eram constantes os pedidos para o público participar, gritar algo ou levantar as mãos. Na minha terra chama-se a isso encher chouriços e foi essa a sensação com que se ficou do concerto. O potencial até existe, está lá, agora a forma de o aproveitar é que terá de ser revista. E pouco mais há a dizer…
Femi Kuti foi rei. Esta curta frase podia ser suficiente para descrever de uma forma sumária, é certo, o concerto que o nigeriano ofereceu no encerramento do palco do Castelo mas seria muito injusto da minha parte se me limitasse a isso. É que foram nove os anos que separaram a estreia do regresso de Femi Kuti ao palco do Castelo. À entrada explosiva juntou-se o já tradicional fogo-de-artifício que consegue sempre conferir um toque único a um momento que se torna de comunhão e celebração pura entre a banda e o público. Depois seguiu-se uma épica sessão de afrobeat não deixou ninguém ter os pés assentes no chão no chão por muito tempo. A vertente política também não ficou esquecida, com Femi Kuti a referir-se à situação actual que Portugal atravessa. Aos 50 anos o filho do enorme Fela Kuti demonstrou que não se limitou a seguir as passadas do pai. Em vez disso foi mais longe e decidiu trilhar o seu próprio caminho e o tempo tratará de o imortalizar tal como ao seu pai. Foi o concerto perfeito para encerrar o palco do Castelo no FMM 2013 e a verdade é que mal o último acorde se fez escutar, as saudades e a contagem decrescente para 2014 começaram logo.
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